sábado, 19 de dezembro de 2009

Um'istrelinha lá nu céu

Parente depois que morre vira ente, né Zé? Vai vê que é porque não faiz mais par ninhum. Vira impar lá no céu. Ou no inferno, ou no purgatório. Vai pra donde a religião do defunto quiser, né Zé? Eu já acho que vira estrela. Sei lá, tem que virar, né? Depois que bota chifre na muié, que faiz pirraça pro governo, que mete bronca na filharada com o pé virado; aí dipois vira uma estrelinha lá no céu. Umistrelinha de cabelo branco e faiado no coco, que morde a língua e toca moda de viola. Vem me dizê preu tomar cuidado no amor. Preu aceitar que ninguém é perfeito e que vida de casado é cedeção: cada um cede um cadim. Vorta um bucado mais no tempo e diz preu tocar teclado, que minha mão é feita pra encantar os ouvido da gente. Depois me convence a aprender violão, “música é coisa linda de Deus, fia”. Canta aqui co tio, vai.
Sabe, Zé... no fundo, lá no fundim do peito, eu sabia que não ia ver o tio de novo, antes de virar estrelinha, sabe? Ele ainda pediu, vai lá pra nóis conversá... vida do tio anda chata que só. Eu quis ir, mas não quis me apegá de vorta, né? Meu pai foi lá, mas ele piorô, parô de andar. Fiquei com dó danada de ver ele sem força daquele jeito, né? Força pra morder a língua e só. Mas no fundo, lá no fundim do peito, eu ainda tinha esperança de ver quele zoim rasgadinho que eu puxei pra cá.
Hoje de manhã ele virô estrela. A mãe veio me avisar. Ninguém quis chorar não, tava avisado faiz tempo já. Abracei o vô. Tava tristinho que só. Eu quis dizer que ele era o bichinho mais bondoso da minha vida todinha, mas esse povo é frio, sabe Zé? Abracei o vô, e abracei forte que nem nunquinha. Fiz que ia sortá, mas abracei mais ainda. “Te amo, tá vô? Prestenção nessa pista horrorosa”. Barriga do vô tá murcha, falei. Lembra quando eu pensava que o vô tava grávido, vô? Ele riu. O pai bocejou de lá do sofá. Ninguém quis chorar não, tava avisado faiz tempo já. Fiquei até com vergonha de falar que chorei, mas é que eu lembrei da infância, né Zé?
Aí eu rezei, Zé. Fiquei meio desnorteada um tempo. Lembrei do patins do primo e das moda de viola. Lembrei do corredor estreitim da casa do tio e dos coelho se escondendo nas telha que sobrou da construção. Tinha hortinha na casa do tio, será que tem ainda? Ah, tinha uma escadinha que parecia gigante, mas depois eu cresci e vi que eu é que era pequena. Tinha um quarto mei escondido, uma panela mei cheia de arroiz, umas caneca mei vazia de cerveja.
Sei lá, viu Zé. Bateu uma saudade daquele tempo. Mas não foi falta do tio não. Vai passar, né Zé? É coisa da vida. Tio virou um’istrelinha lá nu céu agora. A única estrelinha que morde a língua e fala “música é coisa linda de Deus, fia”. Canta aqui co tio, vai.

4 comentários:

pombinha disse...

muito muito lindo esse conto! me emocionei.. parece uma obra literária.. vc é fodona, viu?!

Thiago Kronig disse...

o li ouvindo Boat Behind do Kings of Convenience, http://www.youtube.com/watch?v=df2K91QSqJE

diiigu disse...

;~~~ viristrelinha, e olha a gente de lá...sempre...!

melhor, agora.


te amo, e fique bemmm..

;******

Anônimo disse...

* esperandoMINHAhistorinha;xxx *
te amo mtooo sempre!