segunda-feira, 28 de junho de 2010

Querido professor,

É copa do mundo e o Brasil ganhou. Foi pras quartas de final, sabe? Não que eu entenda de futebol, mas de quatro em quatro anos nós, mulheres, amamos loucamente esse esporte cheio de paixão, alegria, inteligência, coxas e bíceps e abdomens, e ritmo de festa. Ah, por que inteligência, professor? Sei lá... não é? Enfim. O importante é que o senhor saiba que o Brasil ganhou. E cada gol que fazíamos me deixava muito feliz. E quando fico feliz, eu bebo. Mas cada passe errado, cada perda de gol, cada PUTACAGADA que aqueles cachorros gostosos faziam eu ficava nervosa. E quando fico nervosa, eu bebo.
A verdade, professor, é que eu abandonei a alegria e o nervosismo para vir pra casa fazer o trabalho que o senhor pediu. Eu tinha muita vontade, mas acontece que eu estava muito feliz e o senhor sabe, né? É, professor, eu bebi. Não, professor, eu já estava em casa. Tem cerveja aqui em casa também, sabe professor? O senhor gosta de cerveja? Pois é, professor. Mas a verdade é que, apesar de muita vontade de fazer o seu trabalho, meu estômago estava meio, como eu posso dizer? Bom, eu gorfei, professor. Não em cima do seu trabalho, claro, até porque eu ainda não comecei. Mas não me entenda mal, professor. É que depois do gorfo me deu uma puta dor de cabeça. Aí eu olhava pros seus textos e as letrinhas embaralhavam. O senhor sabe como é, né?
Pra piorar, professor, eu entrei numa crise lastimável de existência e identidade. Perguntei ao universo POR QUE COMIGO? e ele não me respondeu. Tentei ainda que ele, o universo, fizesse o trabalho pra mim, mas nada. Não posso dizer que minha cadela comeu o trabalho, porque o senhor pediu para enviar por e-mail. Também não posso enviar o e-mail em branco e jurar por tudo o que é mais sagrado que eu nem vi que não anexei o arquivo. Eu tento não ser hipócrita, sabe professor?
Por conta dessa súbita depressão que me tomou (hehe, sem trocadilhos, né professor?) voltei pro bar e bebi mais um pouco. Umas duas, três, cinco garrafinhas. Pedi um lanche gordo pra não ficar com dor de cabeça e poder fazer seu trabalho antes que o prazo da meia-noite acabasse. Mas acho que o lanche me fez mal e as letrinhas continuam dançando. Elas rebolam, debocham de mim, professor! Só porque não consigo fazer a porra do seu trabalho! O frango devia estar estragado.
Na verdade, professor, faltam 15 minutos para a meia-noite. Eu estou bêbada, não tenho decote e não quero abrir as pernas. Na verdade, professor, eu queria saber se eu não poderia entregar seu trabalho amanhã. É que amanhã o Brasil não joga e meu dinheiro pra cerveja acabou.
E aí, professor, já é ou já era?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Re-partindo a alma

Fiquei fora por três dias e, quando voltei, meu quarto estava todo branco. Bonito, mas sem graça; igual aos modelos do SPFW. Igual a mim. Sem graça igual a mim. Fechei os olhos e tentei, pela primeira vez, não me questionar. Queria não entender todo esse branco com gosto de nada. Não adianta pintar as unhas de vermelho e depilar a alma. Não adianta limpeza de pele, nem massagem com pedras aromáticas. Não adianta tentar gostar de mulher. Não adianta parar de menstruar; nem cortar, nem pintar, nem hidratar, nem foder todo o cabelo. Não adianta transar o mundo. Não adianta o mundo transar você. Não adianta. Não vai adiantar.
E se não vai adiantar tirar a roupa agora pra tocar meu violão sem meus seios implorarem para não serem mais espremidos por essas três bolhas malditas, o que é que vai adiantar então? Se eu perdi a conta das minhas pintas porque não enxergo as costas, o que é que se faz? E se eu não tenho espelho em casa, e se minhas piadas são engraçadas e se a rosa não abrir? Vai me olhar com essa cara derrotada e pedir pra eu ficar? Nesse quarto colorido e fedido? Nesse corpo bonito e sem graça? Nessas mãos pequenas? Nesse peito mudo?
Me desculpa, mas não dá. Eu fiquei fora por três dias e jogaram tinta guache no teto da minha alma. Escorreu pro peito. Caiu no útero. Parou no pé. Aí eu chutei você e sua semgracisse. Eu chupei o mundo pra dentro do meu umbigo. Eu cuspi um filho de dentro do meu cordão. Eu abri as pernas pro oceano às duas horas da tarde na praia de Santos. E antes de escrever um texto pro cara que eu conheci com a língua da língua de lá, voltei pro meu quarto branco, pro meu teto manchado, pra minha alma depenada, pras minhas unhas vermelhas. Voltei pras minhas entranhas, minhas estranhas, meus úteros e meus cordões. Arrastei uma lata de tinta branca e mergulhei pelada dentro. Porque o branco é sem graça como eu. E mesmo sabendo que não vai adiantar, eu abro meus braços brancos pro seu sorriso e te deixo me manchar. Na verdade, vá em frente; tem um milhão de latas brancas pra me repintar. A verdade é que eu não quero mais me repintar. A verdade é que querer não vai adiantar.

domingo, 13 de junho de 2010

Aqueles quilos

Meu corpo viaja quilômetros. Quilometricamente viajo. Enfio o nariz na janela; não sento no corredor. Colo os olhos nos quilômetros.
 Durmo.
Babo.
Chego.
Volto.
Qui-lo-me-trar. Ele não sabe medir distâncias, o meu corpo. Nunca andou de avião. Turbulência é para os fracos, pensei. Prefiro os quilômetros e as horas quilométricas. São dias. São meses. São anos.
E se no meio do quilo-metro eu te conhecer, ah... eu vou ter que te dizer. E talvez, foi um prazer? Pó...p-ode me ligar. Eu sei que você gostou. Você parece um esquilo. Vem me visitar?
Meu corpo viaja quilômetros enquanto minha alma, coitada, não quer milímetro nenhum.