quarta-feira, 6 de junho de 2012

Pra quem fica

Talvez eu tenha deixado qualquer coisa para trás. Refaço o caminho para tentar lembrar, e cada passo em câmera lenta abre um caminho de epifanias eternas. Reconsidero minhas lembranças. Respiro meus esquecimentos. O que será que eu deixei? Um livro, um anel, dois olhos da cor que todos sabem, mas do tom que só eu consigo enxergar. Giro 360 graus de cabeça. Abraço o travesseiro que vai ficar na cama vazia. Durmo em meus braços e seios e quadris. Cochilo o mundo dentro do meu coração impaciente. Digo-me duas ou três palavras de conforto, chego a suar as mãos. Sôo meu olhar. Invado meu sorriso. Sou toda minha e, por conta disso, ninguém pode saber o que eu deixei. Se foi uma meia suja, um violão quebrado ou uma nota errada. Se foi ela, ele ou se foi tu. Se foram eles e elas e nós. Quem pode saber, que não eu? Estalo os dedos, cruzo as pernas, jogo o cabelo pro lado esquerdo mais uma vez. Tem pedaço de alguma coisa ficando e eu não sei o que é. Talvez não seja nada, e talvez só uma gripe mal curada. Uma pneumonia. Uma desalegria. Um quase-não-amor. 
Sentada na beirada de uma cadeira com assento rasgado, fecho os olhos para ver os seus e enxergar onde eu os perdi. Onde foi que eu os deixei? Embaixo da cama? Em cima do guarda-roupa? Dentro da geladeira? No meio do caderno de receitas? Não sei, não achei. Enfio seu olhar no bolso da calça e a vontade de te ver de novo na nécessaire. Conforme tem de ser, conformo. E pode ser, quem sabe, que qualquer coisa fique pra lá das minhas costas. Pode ser que você fique. Pode ser que eu esteja. E que pra lá de mim, algo tem de ficar pra trás. Afinal, quando a gente vai, algo sempre permanece – ainda que só o porto.