domingo, 23 de maio de 2010

Delinea dor


            Eram três livros na cabeceira. Duas mulheres e um homem. Estava bom. Ela poderia ser feliz assim. Mas alguém queria lhe despir o gosto adocicado da solidão. E por quê não? Sempre o fez. Acontece que agora ela queria mais do que apenas se despir. Ler, assim, vestida apenas por uma xícara de café; a verdade no pé, a libido nas mãos.
E cada página virada é um comprimido do esquecimento. Mas queriam mesmo é deixá-la nua. Fazê-la livrar-se de tanto orgulho, amor próprio. É tudo demais nessa mulher!
            Foi então que pintou a cara. Decidida a vestir a máscara, esperou. Uma. Duas. Três horas. O homem lhe chamava à cabeceira. As mulheres sussurravam de-va-gar. Foi desvestindo cada peça acompanhada de um nó na goela com gosto de merda. Nem sapo, nem perereca; era merda.
            Olhou-se no espelho. Como era linda desvestida. Só uma xícara de café. Delineador preto à la Lispector. E só uma xícara de café. O cabelo já não cobria mais os seios. Só uma xícara de café?
            A calma quis aproximar-se. Viu abrigo nesses três. Allan. Patrícia. Clarice. Eram três livros na cabeceira. Um homem, duas mulheres. Estava bom? Estava bom... até alguém lhe querer frustrar sua frustração.
            Mascarada ela podia mais, nua ela podia tudo. Desmascarada, no entanto, não pararia para refletir a metafísica de estar só. Ódio não era pior que não-amor. Prometer era pior que não amar.
            “Ah... como eu te odeio!”
            Quer uma xícara de café?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Aquele bicho

Olha para as pessoas com uma fome... até abre a boca. Só falta babar. Dizem que mulher gosta mesmo é disso aí. Cabra macho sim sinhô e coisa e tal. Observo, talvez, um brilho no olho característico do animal prestes a enfiar os dentes no pescoço do bichinho quase inocente. A namorada do lado. Feia. Burra. Apaixonada. Primeiro a gente sente dó. Depois ri. Gargalha. Debocha. É gostoso debochar dos outros. Mas, ver o bicho babar – que deveria ser muito prazeroso também – dá um nojinho no fundo do intestino grosso.
E abraça abraçando o mundo inteiro. Cheio de dedos e bocas e barbas e rebarbas. E baba. E abre a boca. E escorre dos olhos um balde de luxúria. Mas daquelas luxúrias nojentas e gulosas e nada preguiçosas. É daqueles bichos grandes que, mesmo pequenos de tamanho, crescem na nossa lembrança; lembrança de manter-se o mais longe possível.
E ela, idiota, sorri. Passeia de mãos dadas, exibe a barganha. Chega atrasada na aula com a felicidade de ter estado acompanhada por aquele bicho que disseca lebres por cima da sua cabeça, sem que ela, ao menos, perceba. Ou percebe. Não deve ser tão burra assim.
Mas eu gosto é de debochar e de ter nojo. É simples assim. Mulher que gosta mesmo é disso aí a gente sente dó. Depois ri. É gostoso debochar dos outros. E é mais gostoso quando ‘os outros’ sofre.
Gozou? Não, por nada. É que eu preciso ir dormir.