sábado, 22 de janeiro de 2011

Chocolate

Muita gente diz que gosta de chocolate. Só que nem todo mundo o sabe comer. Chocolate é muito mais que metê-lo goela abaixo. Mais que morder um pedaço duro de cacau industrializado. É preciso esperar o chocolate: seu ponto, seu cheiro, seu clima. Comer chocolate é ter a paciência de esperá-lo adequar-se à temperatura da sua língua. É estar em sintonia com seu próprio corpo e comer com prazer. Deliciar. Sem culpa, sem medo, sem crise. Morder o chocolate por pura gula, por pressa, por status, é como beijar sem vontade. Tem de se beijar o chocolate. Com os lábios, com os dentes, com a língua, com a saliva. Chocolate é passear a ponta da língua em volta da colher, e trazê-lo devagar ao céu da boca sem pressa de engordar. É chupar o tablete, dançando-o entre os dentes, até se liquefazer. É morder o bombom o-mais-de-va-gar-pos-sí-vel. É encostar os lábios na caneca e sugar pouco-a-pouco, até se espalhar por todos os milímetros quadrados da sua ‘saúde bucal’. Chocolate é sexo bem feito, é beijo bem dado, é tesão. Pecado que não precisa de outro corpo pra realizar; que não pede ninguém pra compartilhar. É um egoísmo espetacular, um orgasmo sem igual. E é por isso que as mulheres gostam tanto de chocolate. Chocolate é uma mulher. Mulher é muito mais que metê-la vagina a dentro. É preciso esperar a mulher: seu ponto, seu cheiro, seu clima. Comer mulher é ter a paciência de esperá-la adequar-se à temperatura da sua língua. É estar em sintonia com seu próprio corpo e comer com prazer. Deliciar. Mulher que não sabe comer chocolate, só sabe fingir. Homem que não sabe comer mulher, não sabe o que é gozar. E quem não gosta de gozar?

domingo, 16 de janeiro de 2011

quarto de agosto

Quando eu tinha sete anos,
foi-se um você da minha vida pequena
e eu disse "Pai, ô pai"
vai com Deus que eu vou te amar pra sempre.

Quando eu tinha dezessete anos,
foi-se outro você da minha vida média
e eu disse "Mãe, ô mãe"
vai com Deus que eu vou te amar pra sempre.

Quando eu tinha trinta anos,
foi-se esse você da minha vida-vida
e eu disse "Irmão, ô irmão"
vai com Deus que eu vou te amar pra sempre.

Quando eu tinha cinquenta anos,
foi-se você da minha vida grande
e eu disse "Amor, ô amor"
fica mais um pouco que eu vou te amar pra sempre.

Até que eu fiz setenta e sete anos
e eu repeti, devagarinho, sem respirar
"Amor, ô amor"
vou-me agora, você vai me amar pra sempre?
Fica mais um pouco... que daqui eu vou te olhar.