quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Recortes

Tem dois velhinhos de quase vinte anos se despedindo no quintal. Ela veste lingerie vermelha. Ele assiste aos fogos refletidos nos olhos dela.
Amanhã é só mais um dia pra andar pela casa de vestido e sem calcinha. Talvez eu esteja bêbada e seja só meia-noite. O ano novo quer se disfarçar de branco pra brincar comigo e falar no meu ouvido que dessa vez eu vou ter que te deixar entrar. Talvez eu esteja bêbada e seja só impressão.
Não há nada de novo, mas alguém pode me explicar as unhas vermelhas? Alguém consegue entender as roupas brancas, os fogos, e, por Deus, que calcinha rosa é essa? E por que hoje, mais do que nunca, eu desejo que a fitinha se arrebente logo do meu pé mesmo não lembrando exatamente qual foi o pedido do nó?
Tem gente querendo se achegar e tem gente querendo ir embora. Tem gente marcando. Tem gente reparando na alça do meu sutiã tomara-que-caia. Eu tenho olhos para todos os fogos. Tenho fogos para todos os olhos.
O ano novo não me inspira. Nada de novo. Lá está ela mais uma vez; um ano mais velha. E ele ali, como sempre. Todo ano ele diz, em vão, pra ela ter calma. Mas está sempre ali, ansiosa, esperando por ele que passa, mas parece nunca chegar.
Ela, a esperança. Ele, o destino.
“Minha linda dos olhos coloridos, neste ano, deixa que eu te procuro”. Ela fechou os olhos. Ele foi embora.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Quando você finalmente for embora

Você vai fazer muita falta quando eu não der a mínima pro msn. E quando você estiver casado com uma princesa que não fala palavrões. E quando você esquecer que, por muito tempo, foi o meu maior confidente e alvo de desejos. Eu não sei se vai doer, acho que a gente nem vai sentir. Mas não podia deixar essa fase de você passar assim, passar de mim, passar em branco. Talvez eu guarde uma foto sua pra mostrar pros meus filhos, e talvez eles realmente tenham os nomes que a gente combinou brincando. Eu torço pra você contar as pintas do meu corpo pra eu ter um motivo pra não te esquecer. E, às vezes, eu torço pra você não me entender mal, eu só precisava desabafar.
Eu queria que você soubesse, antes de ir embora, que eu não vou te visitar. Um postal, quem sabe, talvez? Eu não vou saber seu novo número e se souber, não vou ligar. Eu vou perder os golpes nas operadoras, porque não vou ter pra quem mandar correio de voz de graça. E você não terá feito a mínima diferença quando outro amigo estiver beijando meu barrigão de melancia. A diferença é que eu não vou poder botar tudo o que é seu numa caixa lacrada e devolver. Não tem nada seu aqui pra te mandar. Nada pra queimar. Nada pra chorar. E se não fosse a nossa vontade louca de transarmos, essa amizade seria pura como bumbum de nenê sem cocô, talco ou hipoglós.
Se um dia eu voltar pra cá, vai ser tudo (in)diferente. E a gente não vai se reconhecer, nem se cumprimentar, nem se olhar nos olhos. E a gente não vai rir um do outro. Eu não vou contar que tive orgasmos múltiplos ontem e você não vai dizer que o primeiro dente do seu filho nasceu. A gente vai passar e, pela primeira vez, tudo o que a gente se contou vai passar junto. Por um momento você vai tentar lembrar e talvez eu te conheça de algum lugar. Mas no fundo da memória vai ter algum resquício das nossas confissões, só porque nossos filhos têm os nomes que a gente brincou combinando.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Um'istrelinha lá nu céu

Parente depois que morre vira ente, né Zé? Vai vê que é porque não faiz mais par ninhum. Vira impar lá no céu. Ou no inferno, ou no purgatório. Vai pra donde a religião do defunto quiser, né Zé? Eu já acho que vira estrela. Sei lá, tem que virar, né? Depois que bota chifre na muié, que faiz pirraça pro governo, que mete bronca na filharada com o pé virado; aí dipois vira uma estrelinha lá no céu. Umistrelinha de cabelo branco e faiado no coco, que morde a língua e toca moda de viola. Vem me dizê preu tomar cuidado no amor. Preu aceitar que ninguém é perfeito e que vida de casado é cedeção: cada um cede um cadim. Vorta um bucado mais no tempo e diz preu tocar teclado, que minha mão é feita pra encantar os ouvido da gente. Depois me convence a aprender violão, “música é coisa linda de Deus, fia”. Canta aqui co tio, vai.
Sabe, Zé... no fundo, lá no fundim do peito, eu sabia que não ia ver o tio de novo, antes de virar estrelinha, sabe? Ele ainda pediu, vai lá pra nóis conversá... vida do tio anda chata que só. Eu quis ir, mas não quis me apegá de vorta, né? Meu pai foi lá, mas ele piorô, parô de andar. Fiquei com dó danada de ver ele sem força daquele jeito, né? Força pra morder a língua e só. Mas no fundo, lá no fundim do peito, eu ainda tinha esperança de ver quele zoim rasgadinho que eu puxei pra cá.
Hoje de manhã ele virô estrela. A mãe veio me avisar. Ninguém quis chorar não, tava avisado faiz tempo já. Abracei o vô. Tava tristinho que só. Eu quis dizer que ele era o bichinho mais bondoso da minha vida todinha, mas esse povo é frio, sabe Zé? Abracei o vô, e abracei forte que nem nunquinha. Fiz que ia sortá, mas abracei mais ainda. “Te amo, tá vô? Prestenção nessa pista horrorosa”. Barriga do vô tá murcha, falei. Lembra quando eu pensava que o vô tava grávido, vô? Ele riu. O pai bocejou de lá do sofá. Ninguém quis chorar não, tava avisado faiz tempo já. Fiquei até com vergonha de falar que chorei, mas é que eu lembrei da infância, né Zé?
Aí eu rezei, Zé. Fiquei meio desnorteada um tempo. Lembrei do patins do primo e das moda de viola. Lembrei do corredor estreitim da casa do tio e dos coelho se escondendo nas telha que sobrou da construção. Tinha hortinha na casa do tio, será que tem ainda? Ah, tinha uma escadinha que parecia gigante, mas depois eu cresci e vi que eu é que era pequena. Tinha um quarto mei escondido, uma panela mei cheia de arroiz, umas caneca mei vazia de cerveja.
Sei lá, viu Zé. Bateu uma saudade daquele tempo. Mas não foi falta do tio não. Vai passar, né Zé? É coisa da vida. Tio virou um’istrelinha lá nu céu agora. A única estrelinha que morde a língua e fala “música é coisa linda de Deus, fia”. Canta aqui co tio, vai.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Manual de um perdedor

Auto-ajuda pra quê se “é com os erros que se aprende”? A mídia adora fazer confusão na cabeça da gente. Se passa na TV que ovo faz bem, minha avó corre lá comprar. E coitado do meu avô se não comer a semana toda. Depois o Fantástico solta que faz bem pra natureza fazer xixi no banho, e lá se vão anos de implicância com as crianças mijonas. “Ovo nem faz tão bem assim, né fia? Vi na grobo
Se a gente passeia no shopping, as lojas te chamam pra comprar uma lembrancinha. Se você não está precisando, pode levar pro seu namorado, e ai de você se não tiver um. E caso tenha e mentiu pro tal, existem milhares de opções criativas para aliviar sua consciência.
Entrar na livraria é um convite à depressão. Se você quer fazer a linha cult, melhor ficar em casa assistindo à globo e botar no twitter que está adorando ouvir Caetano Veloso, tomar café e fumar um cigarro de menta light. Mas é na livraria que você encontra o verdadeiro festival de auto-ajuda do qual precisa.
E “quem nesse mundo é tão bom que não precise de ajuda”, não é mesmo? Mas você insiste em não vomitar no mundo o seu desespero. Você acha um absurdo quando descobre as mentirinhas que os homens contam e as besteirinhas que as mulheres fazem. Você desconfia de que sua prima é garota de programa, de que sua mãe fuma e de que sua colega bate uma pra você.
Sair da livraria é um alívio, mas para os outros tem de parecer um triunfo. Se estiver com a sacola cheia, melhor ainda. Você debocha (com um sorrisinho malicioso) das meninas de 14/15 anos que andam em bando, mas esquece que também já foi ridícula. E esquece que daqui dez anos terá sido ridícula e que vai debochar das meninas de 19/20 anos que se acham independentes, mas não dão um peido longe da mãe.
Você detesta casais quando está solteira e odeia solteiros quando namora. A felicidade alheia definitivamente te incomoda. Você mente. Seus pais mentem. Seus amigos mentem. As pessoas com as quais você quer estar absolutamente sozinha para conversar também mentem, pois querem você absolutamente sem roupa para não falar nada. E quando você pode, enfim, vomitar no mundo o seu desespero, faz exatamente o que te fez mentir até agora: você simplesmente desiste.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

E nem tudo vira bosta

Cheguei pronta para dormir. Não tinha um pingo de sono, mas sabia que com a diversidade de bebidas de graça naquele lugar, coisa boa não ia sair. E eu não tava pra coisa boa nem nada. Fui pro quarto e abri a janela. De repente tava todo mundo ali. Deitei na cama e ficamos todos conversando. Um sexo (não muito) masculino chega e se joga em cima de mim. Não dá, não dá; vamos lá pra fora.
Por um momento cheguei a pensar em dormir, mas não foi dessa vez. Não resisto a gente safada, baralho e bebida. Porco virou burro. Burro virou pato. E todo mundo pagou. Tem gente no quarto fumando. Tem gente no banheiro transando. E eu na sala virando.
No nunca eu foi um festival de gente querendo comprovar que todo mundo ali não valia mais que um real. “Eu nunca” isso, “eu nunca” aquilo. Do nada, chega aos meus ouvidos o boato de que eu beijo bem. E eu tentando me lembrar quem, dali, poderia realmente comprovar aquilo. “Mas essa filha da puta beija tão gostosinho”. Alguém me chamou de lado com sorrisinho sem vergonha. Outro alguém me ofereceu mais bebida. Hmm, propostas indecentes. Será que todo mundo aqui beija tão mal assim?
Eu poderia até contar o que rolou, mas, se eu dissesse que fui dormir, ninguém acreditaria.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Preliminares

– Promete mesmo que não vai doer?
* Ai, ai, ai, Sofia! Parece que você não confia em mim!
– Mas é que eu nunca fiz algo tão radical assim...
* Pra tudo existe uma primeira vez e a sua tem que ser comigo.
– Eu te conheço há dez anos, não poderia ser com outra pessoa.
* Então, relaxa... vai dar tudo certo.
– Mas eu tenho medo de chorar depois.
* Olha, se você não se sente segura é melhor a gente deixar pra outro dia.
– Não, eu quero agora!
* Então confia em mim, menina!
– Tá bom. Afinal de contas eu vim pra cá super-decidida, não é mesmo?
* Claro. Fora que faz mais de um ano que você tá me enrolando. Fica só ensaiando, prometendo e no fim sempre desiste.
– Ah, mas você me entende, né? Essas coisas precisam de toda uma preparação psicológica.
* Ok, ok. Vamos lá ou não? Prometo que você não vai se arrepender!
– Vamos logo, antes que eu me arrependa e saia correndo daqui.
* Haha... eu não vou deixar!
– Vai devagarzinho, tá? Pro choque não ser muito grande.
(...)
* Pode abrir os olhos, Sofia!
– MEU DEUS, o que você fez com a Sofia que estava aqui?
* Amou ou odiou?
– Não sei ainda, preciso me acostumar.
* Relaxa, menina. Cabelo cresce.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Divirta-se bem com um real.

Não sei as outras pessoas, mas depois que virei universitária comecei a entender um bocadinho mais sobre a palavra universi-dade. Vá lá, não é um outro universo? E eu não tô falando só das festas não, mas já que vocês (que insistem em me ler) gostam é quando eu falo delas, vamos ao ponto G.
Jogos universitários são legais. Tendas lotadas de gente e cerveja, com músicas que despertam a libido também. Festas monstruosas e open-bar de mil bebidas são, definitivamente, demais. Mas quando se quer rir até fazer xixi na calcinha e doer a barriga como se tivesse feito trezentos abdominais, nada como cinco reais, cerveja barata (que dá dor de cabeça ou caganeira, ou os dois), boas companhias, violão e baralho. Eu, sinceramente, prefiro o baralho (atenção, gente. Eu sei que parece erro de digitação, mas foi baralho mesmo que eu quis dizer).
Munidos dessas ferramentas, tudo fica perfeito se estiverem num apartamento com sacada pra uma rua – teoricamente – movimentada, tapete branco e novo da mãe de alguém que vocês não conhecem muito bem e um pote de sal pronto pra virar a qualquer momento. Não contentes, podem colocar um DVD da banda mais depressiva do mundo pra tocar. No começo, parece fossa; depois que as pessoas começam a cantar bêbadas, parece hospício.
Foi assim uma segunda-feira chuvosa, véspera de feriado municipal. Começamos a jogar Poker, mas sabe, três mulheres tentando entender e um homem tentando explicar nunca foi algo que deu muito certo, né? É. Depois de meia hora – sem entender nenhuma regra – tentamos uma rodada. Chato, sem sal (por enquanto) e sem graça. Partimos pro Uno. Esse, pelo menos, todos sabíamos jogar. Único problema: no Uno ninguém aposta nada. Chato, sem sal e sem graça. Eis que surge a brilhante ideia: vamos jogar Porco (pra quem não sabe, procura no Google)!
Nessa altura do campeonato ninguém mais ouvia o que tava tocando. E o porco tem a sua vantagem: a aposta! Legal, com sal e com graça. Sim, porque o pote de sal caiu no tapete novo da mãe desconhecida. Sorte que era sal e que era branco.
Estava tudo bem até eu começar a perder. E foi uma atrás da outra. Me desculpem, mas ou eu bato ou eu abaixo as cartas. Sempre sobrava conversando sozinha com as cartas enquanto todo mundo ria da minha cara com as cartas abaixadas. E lá ia eu pagar a prenda (como diria vovó). Não sei porque bêbados gostam tanto de envolver pessoas que JAMAIS seriam envolvidas se não estivéssemos alcoolizados. Fugi de todos os envolvimentos. Sabe, para muitas pessoas tirar uma peça de roupa é muito pior que ligar pra alguém bêbado, mas pra quem já viu gente sã correndo pelada em locais públicos, tirar a blusa é fichinha.
Enfim, parei de brincar. Resolvi jogar sério. Parei de perder. E pra eu parar de perder, as outras pessoas tem que perder no meu lugar. E elas têm que pagar as apostas no meu lugar.
Não vou citar nomes, mas alguém teve de tirar a blusa e rodar na sacada. Ninguém na rua. Pudor demais, vergonha demais, medo demais. Acontece que, quando a gente não se sente seguro fazendo qualquer coisa, dá sempre alguma merda.
Nem um real, nem cinco, nem mil. Nada paga a alegria geral da galera em ver a baby look preta caindo – em câmera lenta – da sacada do apartamento direto pro pé do coqueiro. Depois teve dancinha. Depois teve nego virando lata de cerveja quente. Depois tiveram depoimentos indesejáveis no orkut, tweets obscuros e mensagens inoportunas. O DVD toca qualquer coisa e por um momento bate saudade de alguma coisa.
No outro dia de manhã, passo pela portaria pra ir embora e paro pra olhar o coqueiro na calçada. Procuro a sacada lá em cima. Olho pra blusa vestindo minha amiga. Se o Google Maps não pegou a gente sem roupa, melhor não contar com a sorte duas vezes. Vai-se a vergonha na cara, ficam-se as histórias. Meus netos vão adorar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tá Natal demais pra mim hoje

Quando acordei hoje à tarde, abri a porta do quarto e dei de cara com uma arvorezinha empoeirada no fundo do corredor. Quantos anos mesmo a gente bota essa árvore? Não lembro. Esse ano ela ficou do lado do computador, que ficou na sala porque não tínhamos dinheiro para as novas instalações da internet. No fundo, uma parede rebocada de cimento. A toalhinha branca, rendada, foi improvisada em cima do criado-mudo que estava sobrando no quarto da minha mãe. Em cima, um quadro Dele. Não foi presente, mas a gente não tem mais coragem de tirar. Sabe que às vezes eu até converso com Ele? Embaixo quatro bibelôs: um anjinho com a asa quebrada e três santas. Não faço ideia dos nomes delas.
Todos os enfeites da árvore são vermelhos e colados nela. A estrela do topo, um ano a gente resolveu comprar avulsa, mas perdemos em algum lugar. Nada mudou no resto da casa, mas quando eu abri a porta do quarto e vi aquela coisinha de meio metro no final do corredor me deu um negócio que não sei explicar. A gente não pintou a casa de novo, a gente não comprou cortinas pros quartos, a gente não trocou o carro.
Eu pedi pra não colocar a árvore esse ano. Eu queria uma nova, mas por quê? Que graça vai ter o ano em que a gente não puder mais guardar a árvore inteira numa sacola de supermercado sem precisar desmontar? Eu não ligo pra bolinhas coloridas, sempre quebrei todas da casa da minha tia. E esse ano não tem tia de novo. Nada de bolinhas coloridas. Nada de espírito paterno.
Aí vem a música me dizer ‘Children, don’t stop dancing. Believe you can fly away’. A televisão me pisca um monte de ofertas imperdíveis (believe you can fly away). O celular apita novas mensagens da operadora (believe you can fly away). Lá fora já está nevando. O papai Noel me espera no shopping com o saco cheio... de balinhas.
E essa árvore não para de me olhar. Eu continuo sem conseguir explicar esse negócio estranho. Joguei uma água no rosto. Tomei uma caneca de leite. Te abracei bem forte e dei um beijo gostosão na tua bochecha. É muito bom te ter aqui. Mesmo sem estrela no topo, mesmo sem tia, mesmo sem espírito paterno, mesmo sem bolinhas. A árvore ficou linda esse ano, mãe.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Se fosse verdade, meu bem.

Era tudo mentira aquele papo de amor; eu só queria sexo. Eu sei, é difícil acreditar, sou muito convincente. Mas era mentira, fazer o quê? Aceite os fatos, meu bem. Não vai rolar carinho, não vai rolar afeto, não vai rolar apego. Já apaguei os resquícios de você na minha vida. Quem disse que as lembranças não podem ser apagadas também mentiu pra você. Decepcionado? A vida realmente não é justa. Acontece que essas coisas de casal apaixonado são pra quem tem estômago, e eu só tenho coração.
Foi mal pelas mentirinhas, mas não deu pra aturar seu cheiro nem seu brilho nos olhos. E se eu disse que gostei, menti. Se eu disse que amei, menti. Engraçado como foi fácil te enganar, meu bem. E agora, nem adianta fingir indiferença, se era eu que fingia me importar. Você não imagina como foi difícil simular o choro. Fui uma ótima atriz.
Meu bem, meu bem, meu bem; fiz tudo direitinho, mas a mentira tem pernas curtas. Pouco a pouco a verdade foi saindo. E apagou o cheiro. E apagou o olhar. Nem fiquei com medo da sua reação, menti por diversão e só. Mas você sabe, eu só queria sexo. Daí eu fingi que doeu. Daí eu fingi que faltou. Daí eu fingi que mudou. Demorou muita ausência pra eu perceber que era tudo mentira. Faltou muito abraço pra reconhecer que era tudo teatro. E quando eu te tive bem longe do meu estômago, percebi que era tudo mentira aquele papo de sexo; eu só queria amor.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O pegador de baquetas

Era uma sexta-feira perfeita para conhecer o homem da minha vida. O carro era meu, o estacionamento era barato e eu não precisava fazer baliza. Fui na bela companhia do meu amigo – não posso deixar de enfatizar – gay. O lugar era ótimo, a música boa, as companhias perfeitas. Encontrei um amigo de anos. Lindo, gostoso, cheiroso, simpático e com a namorada do lado. Tudo bem, nenhuma intenção por trás mesmo. Foi bom te ver, gato. Eis então que, galgando olhares pelo recinto, deparo-me com um charme incomum. Cabelos estilo anjinho, moreno, barba por fazer. Olhei bem as pernas pra ter certeza de que eram longas, já que ele estava sentado. Tentei olhar, claro, pros velhos anelares direito e esquerdo pra ver se não tinha sinal de compromisso, mas, aparentemente, nada. Tudo bem que ele não parava de mexer aquelas baquetas (e que baquetas!), não dava pra ter certeza de nada.
Prendi o cabelo, soltei, olhei, ri, enfim, fiz totalmente a linha groupie. Só faltou pular em frente ao palco descabelada, implorando pra ele jogar o lencinho suado. Comentei com todas as bichas (desculpem o termo pejorativo, mas outro não seria tão gostoso de pronunciar). É claro que tive que conter o álcool delas pra não mandarem bilhetinhos e me matarem de vergonha pro resto da vida. Poxa, um bar legal nessa cidade dos infernos é tão difícil, não queria me privar deste por uma besteira.
Foi então que ele me olhou. Caramba, que olhada! Correspondeu ardentemente às minhas investidas. Quis dar uma de difícil e saí do campo de visão, pra ver se ele não estava paquerando ninguém (homem, adianto) atrás de mim. Só essa que faltava: bonito, solteiro e gay. Aí não dava; já era demais pra minha existência neurótica de mulher-imatura-carente. Mas, para a minha surpresa, ele desviou a cabeça dos pratos (da bateria, vamos deixar claro) e me procurou. Eu sorri. Ele sorriu.
Finalmente acabou o repertório da banda. Enquanto ele descia do palco, em minha direção, com um olhar fatal de quem, certamente, me levaria de lá para o altar (ou para a cama, de preferência), chegou o bolo do aniversariante da nossa rodinha. Joguei os cabelos pro lado e cantei parabéns feliz e despreocupada, afinal de contas, já já eu iria conversar com o homem da minha vida, o pai dos meus filhos, meu baterista nas horas vagas, meu pegador de baquetas (sintam a propriedade dos pronomes possessivos). Agora, em câmera lenta, eu direciono meus lindos olhos castanhos pro lado do palco e vejo meu homem caminhando na minha direção. Confiro o hálito, ajeito os peitos no sutiã de bojo e dou a última arrumada no cabelo. De repente ele pára, abre os braços e abraça uma filhadaputinha que estava numa mesa em frente a minha. Era a namorada dele. Decepcionada, olhei pro relógio e vi que já havia se passado três horas desde a minha chegada. “Puta que pariu, o estacionamento!”. Saí correndo pra fila e, na saída, dei de cara com o casal feliz. Pensei em jogar meu charme pro cara do estacionamento, mas eu não tinha decote, muito menos peitos. Ledo engano querer jogar charme, a recepcionista era uma velha feia, mau-humorada e, com toda convicção de uma universitária experiente (leu a ironia?), mau-comida. Contei a história do baterista e ela me deu um real de desconto. Tá aí o valor do pegador de baquetas: um real. Despeito feminista? Não, negócios.