quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Das idas

Minha mãe me ensinou a lavar a louça antes de partir. Secar os pratos, dobrar as roupas, varrer o chão. Não deixar pendências, sabe? E eu, tomada pela teimosia ou, muito mais provavelmente, pela preguiça, nunca dei ouvidos. Botava a trouxa de roupas amassadas nas costas e ia. Simplesmente ia. Com ou sem rumo, deixando um rastro de bagunça pra trás. Escondendo às costas toda a minha confusão. Fazendo de conta que podia ser feliz assim. Mãe disse que era cedo. Pediu umas horas, uns dias, uns meses. Sempre foi cedo demais. Logo eu, que nunca acordei com as galinhas, logo eu, eu parti. E, no meio do caminho, um pombo-correio, um sinal, um pedido pra voltar. Mas eu não volto. Posso andar em círculos, errar o destino, me perder na bifurcação. Mas, voltar, não posso. As costas doem, olho para trás. Sinto que abortei outra missão. Porque partir dói. Porque abortar parte. Porque despedidas deixam um vazio ensurdecedor, que abre espaço para o silêncio da paz que sempre está por vir. E vem. Vagarosa, sublime, macia. Ela se aconchega nos cantos do vazio do adeus. Ela planta uma semente no vácuo abortado dentro de nós. E, enquanto eu continuo minha caminhada, sinto o espaço entre meus dedos serem preenchidos por um calor aconchegante que vai massageando meus instintos até o pé da nuca. Um sentimento. Sente? Sabe? Daí sim eu posso voltar. Tomo um shot de pinga, mordo um pão dormido, durmo um sofá rasgado. E quando eu acordar de novo, pronta para mais um aborto, passo um espanador nos móveis pra disfarçar a sujeira e não deixo que tirem nada do lugar. Esboço. Disboto. Boto. Eu boto a trouxa de roupas amassadas nas costas e vou. Simplesmente vou.

2 comentários:

Almeida José disse...

Oi, tudo bom?

Esta é a primeira vez que eu passo pelo teu blog e te digo que é difícil não se encantar pela tua escrita poética e imagética. É interessante como você faz textos curtos e ao mesmo tempo tão cinematográficos. Coisa boa.

A. José

www.conteiro.wordpress.com

Leticia Flores disse...

Querido José. Tudo ótimo e com você?

Fico muito lisonjeada com tamanha sensibilidade e esmero em expressar o que sente ao ler os textos do Lambida Casual. É sempre muito bem-vinda essa maravilha de energia! Escrever é ótimo, mas ter interlocutores é que é coisa boa de verdade!

Muitíssimo obrigada.