Minha
mãe me ensinou a lavar a louça antes de partir. Secar os pratos, dobrar as
roupas, varrer o chão. Não deixar pendências, sabe? E eu, tomada pela teimosia
ou, muito mais provavelmente, pela preguiça, nunca dei ouvidos. Botava a trouxa
de roupas amassadas nas costas e ia. Simplesmente ia. Com ou sem rumo, deixando
um rastro de bagunça pra trás. Escondendo às costas toda a minha confusão.
Fazendo de conta que podia ser feliz assim. Mãe disse que era cedo. Pediu umas
horas, uns dias, uns meses. Sempre foi cedo demais. Logo eu, que nunca acordei
com as galinhas, logo eu, eu parti. E, no meio do caminho, um pombo-correio, um
sinal, um pedido pra voltar. Mas eu não volto. Posso andar em círculos, errar o
destino, me perder na bifurcação. Mas, voltar, não posso. As costas doem, olho
para trás. Sinto que abortei outra missão. Porque partir dói. Porque abortar
parte. Porque despedidas deixam um vazio ensurdecedor, que abre espaço para o
silêncio da paz que sempre está por vir. E vem. Vagarosa, sublime, macia. Ela
se aconchega nos cantos do vazio do adeus. Ela planta uma semente no vácuo
abortado dentro de nós. E, enquanto eu continuo minha caminhada, sinto o espaço
entre meus dedos serem preenchidos por um calor aconchegante que vai
massageando meus instintos até o pé da nuca. Um sentimento. Sente? Sabe? Daí sim
eu posso voltar. Tomo um shot de pinga, mordo um pão dormido, durmo um sofá
rasgado. E quando eu acordar de novo, pronta para mais um aborto, passo um
espanador nos móveis pra disfarçar a sujeira e não deixo que tirem nada do
lugar. Esboço. Disboto. Boto. Eu boto a trouxa de roupas amassadas nas costas e
vou. Simplesmente vou.
2 comentários:
Oi, tudo bom?
Esta é a primeira vez que eu passo pelo teu blog e te digo que é difícil não se encantar pela tua escrita poética e imagética. É interessante como você faz textos curtos e ao mesmo tempo tão cinematográficos. Coisa boa.
A. José
www.conteiro.wordpress.com
Querido José. Tudo ótimo e com você?
Fico muito lisonjeada com tamanha sensibilidade e esmero em expressar o que sente ao ler os textos do Lambida Casual. É sempre muito bem-vinda essa maravilha de energia! Escrever é ótimo, mas ter interlocutores é que é coisa boa de verdade!
Muitíssimo obrigada.
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