A manhã daquela segunda-feira
prometia um dia de céu aberto e agenda cheia. Daqueles que odeia acordar cedo,
pulou da cama 15 minutos atrasado: não ouvira o despertador do celular.
“Preciso trocar essa porcaria!” Tocava muito baixo, isso era fato. A tarde, no
entanto, virou de ponta-cabeça seus planos encalorados de suar feito um porco,
trabalhando todo torto com o notebook no colo: choveu. Uma linda nuvem cinza se
aconchegou em cima do seu telhado e começou a roncar o estômago em cima dele.
Trovejou. Tempestou. Sussurrou meia dúzia de saudades e desabou em água. Água
limpa o que ficou pra trás. Leva a sujeira embora. Leva o passado e o presente
o futuro, se deixar. E ele deixou. Soltou seu barquinho de papel na enxurrada
da sarjeta e assistiu o adeus sem nenhum pesar. Se tivesse uma câmera, até
filmaria. Respirou em paz, como se um corte fundo estivesse se enrasando. Vai
que eu acredito? Vai que ele acredita também... e toda aquela dor sem razão de
ser fosse embora da gente como um espirro assustado. Desenhou suas próximas
tatuagens nas costas de um documento oficial, esboçando e borrando rabiscos
bobos com o mesmo lápis 6B que guardou da lista de material escolar da sétima
série. “A professora de artes era uma idiota”, lembrou. Lembrou também das
telas amareladas de nanquim que desenhara em qualquer aula dessas. Dessas da
professora idiota. Abriu uma cerveja trincando. Não tinha borracha para apagar
os erros da sua arte sublimemente grotesca. Tomou um gole. Curtiu o espirrinho
chocho do anel da latinha. Borrou a capa do seu currículo com a bunda da mesma
latinha. Pareciam lágrimas, mas não eram. O amargo do líquido descia como se
doce fosse. E era. Escutou uma daquelas músicas nostálgicas que dá vontade de
transar. Deu. Não transou. Devorou outra cerveja e perdeu o rumo do trabalho.
Voltou. Lembrou do barquinho outrora abandonado. Pensou em resgatá-lo. Teve
preguiça. Voltou ao trabalho novamente. O dia estava quase acabando, quando uma
coceira incontrolável na nuca o fez lembrar-se de mim. Tomou um banho morno,
morno como seu amor. Enrolado na toalha, deu uma olhadinha pela janela e sentiu
a humidade relativa do ar se espalhando pelo seu pulmão. Sorriu. Passou um
perfume naquela mesma nuca e esqueceu de me amar. Amou-se só. E foi ser feliz.
E só.
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