sábado, 9 de abril de 2011

Curiosidades de cadeira e chapéu

Zé era uma espécie de Benjamin Button. Quando pequeno, há muito, muito tempo perdido no tempo, recusava-se a usar calças curtas. Parece até que já nasceu com oitenta anos. Suspensórios, camisas, botões e chapéus. Cheirava a palha do cigarro e, num esforço colossal, desobrigava a cadeira de balanço da inércia. Se ela pudesse falar, acho que riria; agradeceria. Ou, quem sabe já tendo seus setenta e poucos anos, resmungaria a interrupção de seu descanso. Zé pouco se lixava: balanço é balanço e descanso é descanso.
Quando pego com o nariz enfiado no fumo, disfarçava. Zé não sabia fumar. Passeava na cidade sem dar as mãos a ninguém. Já não paquerava; era velho demais. Oito primaveras não é mole não, cara.
Há Marias que vão dizer que, lá pelos seus vinte e alguma coisa, Zé juveneceu. Mergulhou na fonte e acordou de seus suspensórios. Brilhantina, vespa, besta: Zé comia todas. Não dava muita bola para as mariices das Bobas. Fazia de conta de tudo.
Zé era bonito, mas o tempo passa. Embuchou uma Maria, fugiu para casar de graça (que naquele tempo, vou te contar, pra casar dava um trabaaai), voltou de mãos dadas. Os cabelos perderam cor; os dentes, força; a pele, rigidez. A barriga ganhou banha; a careca, brilho; os olhos, coração. Aprendeu a brincar com os netos: de cavalinho, de piquesconde, de peteca, de amar. Não curtia mais cadeira de balanço, não gostava de cigarro, não usava mais chapéu. E, na rede, chupando picolé, via passar na rua os velhos que fora: chapéus e fumaça; achava graça.
Pena dessa Maria que achava tão charmosos esses senhores de chapéu no coco, boina e bengala. Essa beleza que só a idade sabe criar. Maria amava um menino que, ao invés de escovar a dentadura, chupava pirulito escondido antes do almoço. E, com os olhos correndo curiosos de um lado pro outro, de cima pra baixo, daqui pra lá, Zé via a velha balançando a cadeira, peidando frouxo no assento, equilibrando os óculos na ponta do nariz e, enquanto ela levava o dedo médio até a língua e trocava a página do jornal numa sequência de câmera lenta repetitivamente irritante, ele pensava: “que nojo dessa mulher!”

5 comentários:

Flores, laetitia disse...

Juro que tentei paragrafar.

Anônimo disse...

É que seu texto tem personalidade própria. Não aceitam ordens...

Adoro sua ousadia. Sou fã desse site.

Anônimo disse...

Desculpe a falta de concordância em "textos"... ;)

ticoético disse...

Adorrei,me lembra Veríssimo e gosto muito disso,enfim,bela.

abraço !

Flores, laetitia disse...

Pobre Luís Fernando, remexeu-se no túmulo com certeza, Ticonofubá!

Pedir desculpas, aqui, é proibido, Bruné-zinha!

No mais, agradicida sempre =D