domingo, 20 de março de 2011

Como reconhecer um artista

Não penteia os cabelos e, quando o faz, é para mantê-los desconexos. Desconexidade. Descomplexidade. Desorganização. Sem pudores: seu corpo é sua expressão. Trança os braços por ele, embaixo do chuveiro, enquanto a água desenha gotículas de orvalho sob seus seios, ombros e umbigos. Beija-se... e lá se vão as bolinhas transformadas em lágrimas, correndo da pinta do ombro esquerdo pra desembocar no umbigo, escapar pela virilha, contorcer-se pelo meio das coxas e terminar no calcanhar. Ama-se. Ri-se. Gargalha-se. Chora-se. Borra-se a maquiagem e, eis aí, novamente, mais uma arte de sua expressão. Perfuma-se, abraça-te, beija-lhe os lábios com tanta graça que lembra a ingenuidade de uma criança. Sente o seu cheiro atrás da orelha. Fecha os olhos. Morde os lábios. Dança a língua no céu da boca, segurando entre os dentes qualquer fiasco de tentação. Fiasco. Se precisar, fica na ponta dos pés. Rodopia. Vai e volta. Flutua. Torce o tornozelo. Sapateia no seu desejo. Brinca até se achar suficientemente dona da situação. Pinta o rosto. Veste-se mal, pessimamente mal para a sociedade executiva. Não tem definição do que é ser passional e racional; ela é os dois. Deixa um espaço da sua imaginação pra você e, quando vai embora, dança pra você voltar. Joga um beijo no ar.
Mas o artista revela-se, enfim, quando continua a amar-se em cada pedaço e a cada banho, fadigando sua imaginação astronômica, tirando seu espaço, casando com seus travesseiros e sorrindo, no escuro, de olhos abertos, enquanto o pé direito faz um movimento de pêndulo esfregando-se no pé da cama. Você não voltou, e um artista ainda sabe sorrir.

4 comentários:

Flores, laetitia disse...

Não era pra ser ambíguo, mas deixa estar (assim mesmo).

Jullia A. disse...

Acabo de me apaixonar por um texto.

Anônimo disse...

Sorri um milhão de vezes, enquanto lia o seu texto.

#' M. G. disse...

Muito bom, Leticia!
Acabo de compartilhar no facebook!