Se não te quero bem, não te dou. Se te amo, dou-te por infinitos segundos, talvez, até, tantos quantos duraria um orgasmo nosso. Se não houver orgasmo nosso, dou-te do mesmo jeito. Pra pedir desculpas, pra matar saudade ou, então, pra sentir saudade mais tarde. A verdade (ou o que queria que fosse) é que cada abraço tem um segredo diferente. E esse segredo cheira. Segredo de mãe cheira a alho, de pai a graxa, de irmão a leite. Segredo de amigo cheira a cerveja ou pinga ou coca-cola com limão. Gosto dessas viadagens de cheiro que o segredo tem. E não é verdade? O seu, por exemplo, ainda não descobri qual é. Seja por isso, às vezes, que procuro uma desculpa toda semana pra te abraçar. Esse cheiro sem camisa, cheiro de casa bagunçada, cheiro de ‘o que será que ela quer com isso?’. Que cheiro, enfim, é o do seu segredo? O do seu abraço? O das suas costas? O da sua cicatriz? Sei lá, sei lá, sei lá. Sei aqui, é que enquanto tento descobrir, procuro achar no meu corpo de onde vem o cheiro que eu sei que é o seu. Cafungo os ombros, os cabelos, os braços. Enfio a blusa nos buracos do nariz e nada. Não sei que segredo é o segredo do seu abraço, mas sei que ele cheira gostoso e enquanto eu me cheiro procurando seu cheiro, me acho achando você.
Nem real, nem lúdico, muito menos erótico. O que mora nessa saliva não tem nome.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
sábado, 23 de abril de 2011
A árvore que dava dinheiro
Sofia achava assim: quando Deus ou o Diabo nos dá algum dom, a gente usa: pra colorir o mundo ou ganhar dinheiro. Ela foi feliz por dezoito anos, rabiscando arco-íris nas cinco paredes do quarto. Até que um homem de terno e gravata pretos, sapatos e maleta pretos, camisa e meias brancas, barba branca e preta e olhos cinzas cochichou: 'você acha que dinheiro nasce em árvore?' HA-HA-HA: ecoava a sua risada grosseiruda, cheirando a cigarro de filtro amarelo.
E Sofia nunca mais mudou de cor.
E Sofia nunca mais mudou de cor.
sábado, 9 de abril de 2011
Curiosidades de cadeira e chapéu
Zé era uma espécie de Benjamin Button. Quando pequeno, há muito, muito tempo perdido no tempo, recusava-se a usar calças curtas. Parece até que já nasceu com oitenta anos. Suspensórios, camisas, botões e chapéus. Cheirava a palha do cigarro e, num esforço colossal, desobrigava a cadeira de balanço da inércia. Se ela pudesse falar, acho que riria; agradeceria. Ou, quem sabe já tendo seus setenta e poucos anos, resmungaria a interrupção de seu descanso. Zé pouco se lixava: balanço é balanço e descanso é descanso.
Quando pego com o nariz enfiado no fumo, disfarçava. Zé não sabia fumar. Passeava na cidade sem dar as mãos a ninguém. Já não paquerava; era velho demais. Oito primaveras não é mole não, cara.
Há Marias que vão dizer que, lá pelos seus vinte e alguma coisa, Zé juveneceu. Mergulhou na fonte e acordou de seus suspensórios. Brilhantina, vespa, besta: Zé comia todas. Não dava muita bola para as mariices das Bobas. Fazia de conta de tudo.
Zé era bonito, mas o tempo passa. Embuchou uma Maria, fugiu para casar de graça (que naquele tempo, vou te contar, pra casar dava um trabaaai), voltou de mãos dadas. Os cabelos perderam cor; os dentes, força; a pele, rigidez. A barriga ganhou banha; a careca, brilho; os olhos, coração. Aprendeu a brincar com os netos: de cavalinho, de piquesconde, de peteca, de amar. Não curtia mais cadeira de balanço, não gostava de cigarro, não usava mais chapéu. E, na rede, chupando picolé, via passar na rua os velhos que fora: chapéus e fumaça; achava graça.
Pena dessa Maria que achava tão charmosos esses senhores de chapéu no coco, boina e bengala. Essa beleza que só a idade sabe criar. Maria amava um menino que, ao invés de escovar a dentadura, chupava pirulito escondido antes do almoço. E, com os olhos correndo curiosos de um lado pro outro, de cima pra baixo, daqui pra lá, Zé via a velha balançando a cadeira, peidando frouxo no assento, equilibrando os óculos na ponta do nariz e, enquanto ela levava o dedo médio até a língua e trocava a página do jornal numa sequência de câmera lenta repetitivamente irritante, ele pensava: “que nojo dessa mulher!”
Quando pego com o nariz enfiado no fumo, disfarçava. Zé não sabia fumar. Passeava na cidade sem dar as mãos a ninguém. Já não paquerava; era velho demais. Oito primaveras não é mole não, cara.
Há Marias que vão dizer que, lá pelos seus vinte e alguma coisa, Zé juveneceu. Mergulhou na fonte e acordou de seus suspensórios. Brilhantina, vespa, besta: Zé comia todas. Não dava muita bola para as mariices das Bobas. Fazia de conta de tudo.
Zé era bonito, mas o tempo passa. Embuchou uma Maria, fugiu para casar de graça (que naquele tempo, vou te contar, pra casar dava um trabaaai), voltou de mãos dadas. Os cabelos perderam cor; os dentes, força; a pele, rigidez. A barriga ganhou banha; a careca, brilho; os olhos, coração. Aprendeu a brincar com os netos: de cavalinho, de piquesconde, de peteca, de amar. Não curtia mais cadeira de balanço, não gostava de cigarro, não usava mais chapéu. E, na rede, chupando picolé, via passar na rua os velhos que fora: chapéus e fumaça; achava graça.
Pena dessa Maria que achava tão charmosos esses senhores de chapéu no coco, boina e bengala. Essa beleza que só a idade sabe criar. Maria amava um menino que, ao invés de escovar a dentadura, chupava pirulito escondido antes do almoço. E, com os olhos correndo curiosos de um lado pro outro, de cima pra baixo, daqui pra lá, Zé via a velha balançando a cadeira, peidando frouxo no assento, equilibrando os óculos na ponta do nariz e, enquanto ela levava o dedo médio até a língua e trocava a página do jornal numa sequência de câmera lenta repetitivamente irritante, ele pensava: “que nojo dessa mulher!”
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