segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Quer uma caneta emprestada?

- Quer uma caneta emprestada?
* Ah, sim. Obrigado.
- Imagina... O que você tá fazendo?
* É.. er, eu?
- Esquece.
* Não, é que eu não tô fazendo nada mesmo não.
- Eu já sabia que não era a única que não tava nem aí pra essa aula.
* Eu gosto dessa aula.
- É, eu também.
(silêncio)
- Posso te fazer uma pergunta?
(sorriso amarelo)
- Tá, tudo bem. Lá vai: você é gay?
* Eu pareço gay?
- É ou não é?
* Não. Você é?
- Não. Acho que não.
* Hm, então você é bi.
- Não sou não.
* A aula tá chata hoje, né?
- Não mais que a nossa conversa.
* Foi você quem começou. Nem sei seu nome.
- Como assim? A gente estuda junto há dois anos e você não sabe meu nome?
* Detalhes. Você sabe o meu?
- Sim.
* Então você se interessa?
- Claro que não. Eu sei o nome do presidente da república e não estou interessada nele.
* Ora, Sofia. O presidente nunca te daria bola!
- Se você pensa que vai atingir a minha autoestima está muito enganado! Aliás, você acertou meu nome. Tá interessado?
* Sim.
- Hein?
* É, faz tempo.
- Quê?
* Você me parecia um pouco mais inteligente quando não conversávamos.
- Você é idiota?
* E menos indelicada.
- Nunca fui delicada, não é com um desconhecido que eu seria.
* Desconhecido? A gente estuda há dois anos junto.
- Detalhes.
* Preciso ir. Essa aula tá muito chata, conversar com você muito mais chato e já to atrasado pra encontrar meu namorado.
(olhar mortal)
* Hehe... brincadeirinha. Beijo, linda.
(Beijo? Linda?)
Sofia saiu bufando da sala. Ela saberia de todo o desejo reprimido do seu novo paquera da faculdade se tivesse oferecido a caneta enquanto a lista passava. Mas ela não ofereceu.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Não repara a bagunça

Queria te entender menos. Eu sei porquê você faz assim, porquê fala assim, porquê olha assim. Tudo planejado, calculado calmamente. Até o vento assopra pro meu cabelo cair no ombro na hora exata do chamego. Tudo conspira a seu favor e contra mim, claro. Eu vivo bagunçada, tentando entender porque te entendo tanto. E desistindo. E voltando a insistir. É muito chato o mesmo nome na cabeça todos os dias. É muito chato ser pirada assim.
Desculpa a bagunça, vai. Esse canto da casa vive uma zona. De dois em dois meses eu tento dar uma geral, mas é complicado. Logo volta tudo pro chão: livros, roupas, fotos, letras de música, você. É, eu acabo te largando ali no meio. Eu piso em cima dos CD’s velhos; porque agora é tudo mp47, sabe? E você entende disso, né? Eu sei. Tá sempre atualizado e eu, alma tecnológica anciã, acabo ficando pra trás. Mas nem me importo. Só que agora, quem vai querer dar CD com dedicatória escrita a pincel atômico? Quem vai comprar porta-cd? Quem vai gravar uma coletânea das nossas músicas? Tudo bem, deixa pra lá. Eu só queria isso de você mesmo e entendo o porquê nunca vou ganhar.
Legal mesmo seria se você fosse um grande mistério pra mim. Legal seria se nós só nos conhecêssemos daqui uns dez anos. Aí sim, seria tudo bem mais divertido. Eu já teria me decepcionado muito mais e, ainda assim, ia ficar querendo entender tudo em você que eu não entenderia. Mas eu entendo tudo. Eu sei como você gosta de mim, como prefere o meu cabelo e me odeio por ter me deixado ser muito mais sua amiga do que qualquer outra coisa. Eu sei como você pensa em mim e sei que quase nunca pensa. Eu sei o que você acha sexy nas mulheres que eu não sou. Sei que sou final de noite e não final de semana. Sei que sou melhor amiga e não melhor namorada (e talvez nem tanto amiga eu seja assim). Sei que sou um pedacinho de carne louca por um cachorro babão.
E, de repente, eu sinto um incomodozinho na ponta do dedão. Adivinha? É você. Jogado ali enquanto eu entendo cada milímetro seu. Pedindo uma pisadinha, por obséquio, enquanto eu morro de raiva por ter me ligado, por dizer que me ama, por confessar que me quer. E eu ali, entendendo tudo, com você na ponta do dedão do pé. E depois de te odiar, querer casar com você e planejar a sua morte em uma fração de segundos, me torno a pessoa mais macia do mundo quando a sua voz, lá embaixo do meu dedão, sussurra: “Aconteceu alguma coisa, amor?”. Não, nada. Eu só queria conversar.
Eu tô entendendo tudo. Seu jogo, seu gosto, seu desgosto. Eu pego no ar as suas táticas, o seu prazer, a sua vontade de me puxar pelos cabelos e me afogar dentro da privada. Essa risada torta aí enquanto eu reclamo do tamanho da asa da xícara de capuccino? Eu entendo! Esse dedinho safado em cima do meu joelho? Eu entendo. Pode ir embora, perdeu a graça. Não liga pra essa bagunça, é assim mesmo que eu vivo. No meio da tralha, da coisa passada, da coisa suja, da coisa esquisita. Mas não se assuste se eu te entender demais e me cansar.
Eu entendo tanto que dá sono; tanto que dá história; tanto que dá dó. Só não entendo como você tem a capacidade de não me entender em nada. Absolutamente nada.

sábado, 21 de novembro de 2009

Chuvinha hoje, hein?

Bom dia, calor. Que tal sair da rotina hoje? Nada de repetir essa redundância de “sol quente”. Vamos fazer a dança da chuva e, sem sucesso, pular na piscina. Que mania besta é essa de me querer suada? Roupas largas e curtas, saias, vestidos. Homens sem camisa, piscina da faculdade. Cerveja gelada, corpo caliente. Ventiladores barulhentos, ares-condicionados potentes. Sorvete. Água, muita água. Todos pedimos trégua, todos queremos chuva. Um vento, um vendaval; qualquer coisa que quebre a rotina. E, de repente, chove. Por Deus, está chovendo! Até que enfim, São Pedro. Boa tarde, chuva! E todos correm pra se esconder. É, vai entender...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

1990, julho.

Hoje eu chorei uma morte estranha. Não foi bem assim um choro; três lágrimas no máximo. Eu já o tinha visto em um monte de lugares com aquela faixa ridícula na cabeça e as calças coladas no corpo. Mas o que me encantou foi a língua presa. Era diferente sem ser esquisito. E, de repente, eu me vi ali, completamente apaixonada por você. Já sabia tudo sobre sua vida e, inclusive, antes dos seus amigos sobre sua doença. Conheci seus pais. Fui apresentada a sua roda. Vivi do seu lado, fui à praia com você. Te vi beijar homens e mulheres. Te vi bêbado, drogado, acabado. E quando já estava convicta de que era imortal, você me abandona. E eu tento me lembrar desse dia, quando ainda tinha quatro meses. Não adianta; você não significou nada pra mim, cara. Mas, se quiser, eu topo um sonho erótico contigo, afinal de contas, você devia ser muito bom de cama mesmo!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O livro da Ju

Quinta-feira, na aula-mais-chata-do-mundo, pela primeira (ou terceira) vez em dois anos de faculdade quase concluídos eu resolvi sentar na última fileira. Eis que me chega a Ju (todo mundo tem uma amiga Ju?) e abre um livrinho amarelo de capa chamativa e com um título delicioso. Era pro Odair (ninguém tem um amigo Odair!). É claro que eu resolvi dar uma folheada aqui, outra ali e quando vi estava devorando o pobrezinho na aula-mais-chata-do-mundo. É claro também que o Od desistiu de levá-lo emprestado e eu furei a fila cordialmente. Bendita hora que esse livro apareceu! Quando dei por mim estava escrevendo insanamente linhas bem parecidas com o estilo da tal autora. É como ir a uma festa open-bar, quando você vê já tá se pegando com o melhor amigo. Foi assim que voltei a escrever.
Quando era pequena eu escrevia só para as minhas amigas ficarem elogiando. Abria o caderno de matemática na última página e ficava divagando (palavra bonita essa, finalmente usei). Fazia de conta que não queria ser pega no flagra, mas era o que eu mais queria. Então, depois de umas três insistidas eu mostrava o texto e elas ficavam encantadas. Idiotas! Nunca escrevi tanta abobrinha como naquela época. E o pior: elas realmente gostavam. Quantos aniversários de namoro eu não recheei de textículos melosos e sem graça que os namoradinhos achavam que elas tinham escrito especialmente pra eles (eu deveria ter cobrado por isso)!
Todo mundo dizia que eu deveria virar escritora. O que eu fiz? Virei letreira! Não, não; não é daqueles que a gente pendura na frente do botequim (essa foi péssima, mas se não me poupam de ouvi-la, também não os pouparei), é estudante de Letras mesmo. Curiosamente, depois da pressão do vestibular, eu simplesmente parei de escrever. A humanidade foi salva por alguns anos. Mas se você pensa que todo mundo que faz Letras AMA escrever está muito enganado. Sou rodeada por psicólogos, jornalistas, advogados, historiadores e até (pasmem) médicos frustrados. Melhor pra mim. Mas, escritores? Não, ninguém por lá pensa nisso. Melhor pra mim. Tem muita gente preocupada com boas notas e um futuro profissional brilhante. Definitivamente essas pessoas não têm coisas legais para serem escritas. Elas não vão às festas, não enchem a cara, não fazem cagadas das quais se arrependerão eternamente até a próxima cagada da semana (ou do peguete) que vem. Estão sempre tão preocupadas com seu futuro brilhante que esquecem do presente quente! Sexo, drogas e rock’n’roll? Nem pensar. Não que eu me drogue. Não que eu faça sexo. Não que eu ouça rock’n’roll (porra, o que é que eu tô falando?). Bom, eu não tiro boas notas nem estou preocupada com um futuro brilhante. Ponto pra mim!
Depois da aula-mais-chata-do-mundo, no intervalo de respirar, fomos sentar na escada. Conversa vai, conversa vem, a gente começa a falar sobre o que sempre falamos: sexo. Gays, lésbicas e simpatizantes na roda. Eis que chega uma dessas pessoas de futuro brilhante. Por que eu tenho tanto medo delas? Por que me sinto inferior quando elas me olham com uma cara de ‘nossa, Leticia, você é ma-lu-ca!’. Isso é porque eu nem falo dos meus desejos de maçã mordida. E porquê não falo? Porque sou trouxa! Definitivamente. Mas o livro da Ju me libertou! Até admiti que já fumei, quer dizer, experimentei fumar, e não é aquela coisa que se diz ‘nossa, como é bom tragar um cigarro depois de um sexo selvagem’. Acredito que uma barrinha de chocolate, um vinho, ou mesmo uma virada pro lado pra roncar seja bem melhor.
É claro que não vai ser um livro gostosinho que vai me fazer desprender das minhas neuras. Mas já foi um começo, não foi? Até voltei a escrever. Até criei um blog. Até vou divulgar... é, bom... acho que talvez quem sabe um dia, né? Continuo com medo do futuro brilhante dessas pessoas e da frustração das outras, mas quem sabe meu cuspe não cai na testa e eu seja uma profissional brilhante e frustrada? Ponto pra eles.