Minha
mãe me ensinou a lavar a louça antes de partir. Secar os pratos, dobrar as
roupas, varrer o chão. Não deixar pendências, sabe? E eu, tomada pela teimosia
ou, muito mais provavelmente, pela preguiça, nunca dei ouvidos. Botava a trouxa
de roupas amassadas nas costas e ia. Simplesmente ia. Com ou sem rumo, deixando
um rastro de bagunça pra trás. Escondendo às costas toda a minha confusão.
Fazendo de conta que podia ser feliz assim. Mãe disse que era cedo. Pediu umas
horas, uns dias, uns meses. Sempre foi cedo demais. Logo eu, que nunca acordei
com as galinhas, logo eu, eu parti. E, no meio do caminho, um pombo-correio, um
sinal, um pedido pra voltar. Mas eu não volto. Posso andar em círculos, errar o
destino, me perder na bifurcação. Mas, voltar, não posso. As costas doem, olho
para trás. Sinto que abortei outra missão. Porque partir dói. Porque abortar
parte. Porque despedidas deixam um vazio ensurdecedor, que abre espaço para o
silêncio da paz que sempre está por vir. E vem. Vagarosa, sublime, macia. Ela
se aconchega nos cantos do vazio do adeus. Ela planta uma semente no vácuo
abortado dentro de nós. E, enquanto eu continuo minha caminhada, sinto o espaço
entre meus dedos serem preenchidos por um calor aconchegante que vai
massageando meus instintos até o pé da nuca. Um sentimento. Sente? Sabe? Daí sim
eu posso voltar. Tomo um shot de pinga, mordo um pão dormido, durmo um sofá
rasgado. E quando eu acordar de novo, pronta para mais um aborto, passo um
espanador nos móveis pra disfarçar a sujeira e não deixo que tirem nada do
lugar. Esboço. Disboto. Boto. Eu boto a trouxa de roupas amassadas nas costas e
vou. Simplesmente vou.
Nem real, nem lúdico, muito menos erótico. O que mora nessa saliva não tem nome.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Pelo prazer de engordar sorrindo
Não, eu não vou começar a dieta
amanhã. Quero te comer cada pedaço sem nem ao menos mastigar. Vou engolir seus
olhos, suas orelhas, seu cabelo, sua boca. Vou passar mal. Quero ser julgada
pela igreja, tendo pecado todos os sete milhões de pecados que eu puder pecar.
Quero que me chamem de herege e me queimem na fogueira. Quero ir para a forca.
E que a força dos seus braços não seja o bastante para se desvencilhar de mim.
Não quero um pio. Nenhuma reclamação. Nenhum olhar 43, nem 69, nem 007. Vou
cuspir seus dentes enquanto palito os meus e, sem desespero, você vai gostar.
Vou chupar seus ossos e a carne também. Lamber os beiços, morder os lábios,
sugar a língua. Vou cortar sua pele com faca de serra e ponta redonda, daquelas
de passar a manteiga no pão, só para demorar mais. Não vou jogar fora nem as
unhas, quero que elas me arranhem por dentro e que seus dedos gentilmente me
arranquem os medos que me impedem de ficar. Quero sua artéria aorta pulsando
dentro de mim. Quero me envenenar das suas venosas. Quero adoçar a sua bile
antes de te deglutir. Quero te temperar com canela e jogar os cravos fora.
Quero ser a borboleta do seu estômago; a rosa vermelha dos seus instintos; a
orquídea branca do seu coração. Quero que seus olhos vejam o que ninguém nunca
viu. E quando eu chegar ao átrio, que o ventrículo não esmoreça, que o tesão
não desobedeça e o amor não desapareça. Que os seus músculos me destruam e eu
te vomite sorrindo. Que você ressuscite odiando. Que eu não me despeça chorando.
Que você me tempere com sal a gosto e esqueça o banho-maria. Que me engula, me
lamba, me chupe, me coma, me tenha. Que a gente engorde e que corramos por três
noites seguidas, livrando-se do mal pelas gotas de suor.
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