Noite dessas quebrei o salto.
Cruzei o portão de casa trançando as pernas e mergulhei no quintal. As estrelas se afogavam em mim. O céu lambava
dentro dos meus olhos. E eu? Eu só queria contar nos dedos os náufragos das
cadentes. E eu pensava nos náufragos da vida. E eu pensava no dinheiro. E eu
pensava no futuro e no dinheiro. E eu pensava nos problemas com os quais eu
acabaria quando eu tivesse dinheiro. Então eu escolhi ser engenheira civil.
Arquiteta. Advogada. Funcionária pública. Deputada. Tripulante; capitã.
Enfermeira-chefe. Cirurgiã plástica.
Acontece que eu coloquei pedra no
peito, vaselina na veia, água no barco, dinheiro na calcinha, vontade na
privada, ética no lixo e a casa abaixo. E eu criei problemas nos mundos das
outras pessoas pra sanar os problemas do meu mundo. E os problemas do meu mundo... os problemas do
meu... os problemas do; problemas?
De repente eu naufraguei nas
dores que eu tinha criado, só porque escolhi não ser.
Foi quando eu senti a vida remexer com salto
de pau o caldeirão que borbulhava em mim. E eu fechei a lua dentro dos meus
olhos, enquanto o mar sassaricava os cantos da janela d’alma.
E eu era uma mulher de pernas
trançadas que não queria mais o mundo de ninguém.
Eu naufraguei.