segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A lanterna dos afogados


Noite dessas quebrei o salto. Cruzei o portão de casa trançando as pernas e mergulhei no quintal.  As estrelas se afogavam em mim. O céu lambava dentro dos meus olhos. E eu? Eu só queria contar nos dedos os náufragos das cadentes. E eu pensava nos náufragos da vida. E eu pensava no dinheiro. E eu pensava no futuro e no dinheiro. E eu pensava nos problemas com os quais eu acabaria quando eu tivesse dinheiro. Então eu escolhi ser engenheira civil. Arquiteta. Advogada. Funcionária pública. Deputada. Tripulante; capitã. Enfermeira-chefe. Cirurgiã plástica.
Acontece que eu coloquei pedra no peito, vaselina na veia, água no barco, dinheiro na calcinha, vontade na privada, ética no lixo e a casa abaixo. E eu criei problemas nos mundos das outras pessoas pra sanar os problemas do meu mundo.  E os problemas do meu mundo... os problemas do meu... os problemas do; problemas?
De repente eu naufraguei nas dores que eu tinha criado, só porque escolhi não ser.
Foi quando eu senti a vida remexer com salto de pau o caldeirão que borbulhava em mim. E eu fechei a lua dentro dos meus olhos, enquanto o mar sassaricava os cantos da janela d’alma.
E eu era uma mulher de pernas trançadas que não queria mais o mundo de ninguém.
Eu naufraguei.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A palavra além necessária

Ela falava, falava, falava e, enquanto suas palavras sem sentido sobrevoavam o meu quarto, eu fitava o quase não movimento dos seus seios que, com os mamilos daquele jeitinho, friccionados embaixo da regata de algodão lilás, diziam-me tudo o que eu queria ouvir naquele momento. A minha insensibilidade a magoava, eu sabia. Mas aquele cheirinho de corpo amassado, recém acordado ao meu lado, com um pouco de bafo e remela nos olhos – eu confesso – e que ela corria pro banheiro consertar enquanto eu me excitava vendo-a de costas, me deixava sem fala. Ela, nessa fúria incessante pelas minhas palavras, pelos meus sentimentos, pelas minhas expressões, ela... ela pensa que eu ligo para as dobras que formam sua barriga quando ela senta de calça jeans apertada. E, quer saber? Eu reparo mesmo. Reparo na banha, nas celulites, nas estrias, nas camadas. Mas reparo mais nas coxas, nas curvas, nos buracos e lombadas que arrepiam também todas as minhas imperfeições de macho alfa. Ela pensa que eu não sei que ela também se arrepia quando vê um gatão de barriga tanquinho? E que não fica excitada quando eu a irrito com meu silêncio? E que não gosta quando eu calo a sua boca com um beijo ou uma chupada? Ela sabe, no fundo ela sabe que é igual a mim. E que toda a nossa dedicação mútua pelo sexo oral perfeito é maior prova de amor do universo! E que tudo o que ela me fala não faz sentido algum, enquanto ela se troca esbaforida depois do orgasmo, ofendida porque eu dormi ou fumei. Eu até gosto, porque sua voz histérica sempre me acorda quando está pondo o sutiã, com as costas nuas, enquanto eu rio e conto suas pintas pela milésima vez. Ela vai reclamar de novo que não a amo igual, que eu não gosto o suficiente, que não estou mais apaixonado. A sorte dela é que eu não falo. Não falo, não digo, não repito e não proclamo o meu amor. É que se eu falasse tanto quanto ela gostaria, não sobraria tempo pra amá-la tanto quanto é verdade. Não é que eu queira, não é que eu possa ou que eu faça ser assim, mas enquanto abro a minha boca burra pra dizer "Eu te amo", já te amei mais do que possa caber nas aspas e, involuntariamente, desisto de falar.