Começamos o dia mal, Goretti. Plenas nove horas da madrugada, segundo sono e o celular me toca. Número desconhecido; modo silencioso ativado. Isso é um disparate, sabia Goretti? Um absurdo mesmo!No horário normal do meu relógio biológico, levanto. Mal comecei a existir para aquela terça-feira e o calor já incendiou meu humor – que já não estava grande coisa, diga-se de passagem. No dia anterior tentamos entrar na piscina da faculdade. Dia de limpeza. “Não abre de segunda, querida”. “Mas, moooooço, eu sonhei com essa piscina. Isso é um pecado!”. Infelizmente ele não podia fazer nada. Claro que se pudesse não faria. Imagina! Eu tendo que trabalhar, suando em bicas, e esses universitários vagabundos usufruindo da piscina em plena segunda-feira? Não, são regras antigas, menina.
Mas não existem regras para terça-feira, certo? Errado. Existe uma regrinha infeliz (que quase ninguém conhece) para pegar a chave e abrir o portão da piscina: precisa da carteirinha. Precisa, ainda, de exame médico
em dia. E precisa, principalmente, de muito bom humor da recepcionista mal-comida para dar a chave a uma dupla de estudantes inocentes e
sem carteirinha. Bia e Alê, eu sei, vocês tentaram.
Quase sempre a gente chega por lá e já tá tudo aberto. E foda-se quem pegou a chave. Só que estamos em férias, Goretti. Do carro eu já vi que não tinha nenhum filho da puta na piscina e, evocando meus contatos, mandei rapidinho uma mensagem para a Bia (que foi para o pai dela com os dizeres “Não tem nenhum filho da puta nessa piscina. Morri”). Dois minutos depois a encontrei acompanhada da Alê. Desesperadamente suadas, fomos atrás do Arthur. Ele é tão cheio de contatos, tem que conhecer alguma alma bondosa que tenha a porra da carteirinha. Não, ninguém. Mas, não desanimemos... we can (na verdade, we não can, we need muito!).
Era questão de vida ou morte. Aquele coito já tinha sido interrompido uma vez. A piscina estava limpinha, lembra que segunda é dia de limpeza, Goretti? Pois é. Nos reunimos tensamente sob o calor de Rio Preto. Enquanto os três rodeavam a piscina, eu botava o biquíni – cena sexy no banheiro masculino (o feminino era muito longe). Quando saí, eles já tinha encontrado uma mesinha perto da cerca. Um olhar foi o suficiente: vamos pular! Primeiro ele, depois as duas mais ágeis e eu, claro, por último (seguindo a sequência dos escolhidos no time de voley do colégio). Todo mundo dentro, agora é só fingir que entrou pelo outro lado e usufruir do nosso direito (?) de estudantes afoitos por um mergulhinho inocente na piscina.
Sem fazer muito barulho (tentando, eu quis dizer – o barulho me persegue) e com muita maestria, pulei. Foi pra-ti-ca-men-te um gozo, Goretti. Que sensação maravilhosa! Agora sim o meu dia está bom. O problema são as pessoas que vão nos ver aqui dentro e pensar que o portão tá aberto. Foda-se, que pulem também, oras! E não é que pularam mesmo? Mais quatro pessoas se achegaram. Só faltava alguém morrer e nós botarmos Rio Preto na chamada do JN, como disse a Alê. Eu até fiquei esperando que algo mais excitante acontecesse pra poder escrever. Queria ter sido pêga pela recepcionista e entrar para os anais da faculdade como universitária baderneira. Já pensou o glamour, Goretti? Ia ser demais. Mas nada disso aconteceu. Ninguém morreu, ninguém foi expulso da faculdade, ninguém entrou pra anal nenhum (eu espero). Mas, e agora? Como vamos sair daqui? A mesinha fica do outro lado. Fodeu? Que nada! Escalamos a grade da quadra e saímos bem bonitinhos. Outros nem tanto (como eu). Ainda esperei até o último instante pra sermos pegos – literalmente – no pulo. Mas, nada.
O que me restou foi pegar a toalha sequinha que eu tinha esquecido no carro antes de cometer o pequeno delito em grupo e botar na cabeça. Fazer sucesso no trânsito também faz parte do meu show, porque não? Principalmente se for uma toalha de oncinha. Cheguei em casa refrescada, com marquinha de biquíni, e chamando muito a atenção dos funileiros vizinhos daqui de casa. Foi então que eu lembrei da ligação de manhã que eu não atendi e resolvi retornar. “Droga Farma, boa tarde”. Hein? “Droga Farma”. Quem me ligou? “DROGA FARMA, BOA TARDE”. Desisto. Me ligam desse telefone e eu sou obrigada a ser maltratada ainda? “Vou verificar” ... “Você também mora no Eldorado?” Eu sei que eu moro mal, queridinho, mas não, não moro no Eldorado (e, curiosamente, não estava precisando de nenhum remédio). “Ah, então a gente não vai estar sabendo quem pode ter estado te ligando”. Tá bom, obrigada e desculpa (chegou a hora de ser educada).
Meu dia podia muito bem ter terminado com um admirador secreto na outra linha, com um B.O. da polícia pelo delito cometido ou com uma manchete no Diário da Região. Mas, sabe Goretti, mesmo sem admirador e sem holofotes, meu dia foi muito feliz. Amanhã? Ah, Goretti... para de ser chata! Deixa o amanhã pra mais tarde, sua rabugenta!