"Amém", disse o padre pela terceira vez no dia,
que seguia por tantos milhares de dias iguais que seria seguido por outros
tantos parecidos. Um ato, um rito, um fato. "Amém" porque se acabou.
"Amém" porque a palavra foi enviada. Pobre do padre que não goza dos
atributos tecnológicos para ter certeza de que a mensagem, depois de enviada,
foi recebida. Os sacerdotes, os bispos, os papas, as mammas, os olhos
empoeirados das estátuas dos santos sob mantos coloridos e tão, tão bonitos
parecem pouco se importar com tal detalhe.
Na aula de latim, o professor contou uma curiosidade muito
curiosa, dessas que marcam nossa memória para sempre. Verdade verdadeira seja
dita, das aulas de latim só me lembro do que não caía na prova. Disse ele, o
professor, que a palavra "missae" significa "a palavra foi
enviada" - era a última palavra a ser dita no ritual; a palavra mais
esperada, já que quase todos não entendiam lhufas do que o representante divino
cantava em latim clássico, de costas para eles, em sinal de respeito ao
invisível ali no altar. Missa é o fim, então? Amém! E amém? Amém é o fim
também?
A palavra ecoava na
minha cabeça com o mesmo som fanho da voz do padre italiano da paróquia da
minha mãe. Prendia o ar e soltava o som pelo nariz, num "a" demorado,
preguiçoso, sem pressa nenhuma de ver seu fim -
"aaaaaaaaaa-méeeeeeeeeem". Pensava, às vezes, que ele era um cabrito.
Sei lá, coisa de criança que corre pelas passarelas externas da igreja atrás do
tio da pipoca que morreu no ano passado. Os óculos de fundo de garrafa deixavam
seus olhos parecendo duas jabuticabonas prontas pra explodir! Achava, eu, que
ele podia ter saído de um desenho animado e, sabe, desenhos animados nunca
morrem. Mas o tio da pipoca morreu. Amém pra ele, então? Amém!
Eu sei que, pela terceira vez no dia, o padre disse "amém".
E por um descuido dos meus ouvidos preguiçosos, minha mente fez pontuação
errada e meu raciocínio trocou a entonação daquele discípulo de Deus. Foi coisa
de um segundo e, pronto, toda uma vida havia sido mudada. O padre disse
"amém", e eu, tola que sou, entendi uma ordem: "amem". "Que
se amem os fiéis", imaginei eu que o padre quisesse dizer. Desde então,
troquei "amém" por "amor" e nunca mais
"amémnizei".