terça-feira, 28 de maio de 2013

Do amém ao amor

"Amém", disse o padre pela terceira vez no dia, que seguia por tantos milhares de dias iguais que seria seguido por outros tantos parecidos. Um ato, um rito, um fato. "Amém" porque se acabou. "Amém" porque a palavra foi enviada. Pobre do padre que não goza dos atributos tecnológicos para ter certeza de que a mensagem, depois de enviada, foi recebida. Os sacerdotes, os bispos, os papas, as mammas, os olhos empoeirados das estátuas dos santos sob mantos coloridos e tão, tão bonitos parecem pouco se importar com tal detalhe.

Na aula de latim, o professor contou uma curiosidade muito curiosa, dessas que marcam nossa memória para sempre. Verdade verdadeira seja dita, das aulas de latim só me lembro do que não caía na prova. Disse ele, o professor, que a palavra "missae" significa "a palavra foi enviada" - era a última palavra a ser dita no ritual; a palavra mais esperada, já que quase todos não entendiam lhufas do que o representante divino cantava em latim clássico, de costas para eles, em sinal de respeito ao invisível ali no altar. Missa é o fim, então? Amém! E amém? Amém é o fim também?

 A palavra ecoava na minha cabeça com o mesmo som fanho da voz do padre italiano da paróquia da minha mãe. Prendia o ar e soltava o som pelo nariz, num "a" demorado, preguiçoso, sem pressa nenhuma de ver seu fim - "aaaaaaaaaa-méeeeeeeeeem". Pensava, às vezes, que ele era um cabrito. Sei lá, coisa de criança que corre pelas passarelas externas da igreja atrás do tio da pipoca que morreu no ano passado. Os óculos de fundo de garrafa deixavam seus olhos parecendo duas jabuticabonas prontas pra explodir! Achava, eu, que ele podia ter saído de um desenho animado e, sabe, desenhos animados nunca morrem. Mas o tio da pipoca morreu. Amém pra ele, então? Amém!


Eu sei que, pela terceira vez no dia, o padre disse "amém". E por um descuido dos meus ouvidos preguiçosos, minha mente fez pontuação errada e meu raciocínio trocou a entonação daquele discípulo de Deus. Foi coisa de um segundo e, pronto, toda uma vida havia sido mudada. O padre disse "amém", e eu, tola que sou, entendi uma ordem: "amem". "Que se amem os fiéis", imaginei eu que o padre quisesse dizer. Desde então, troquei "amém" por "amor" e nunca mais "amémnizei".

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Chá pra lá


Não, eu não gosto de chá. Nem de cidreira, nem de erva-doce, nem de cogumelo. Podem me matar, mas, por favor, sem Matte - eu não gosto de chá. Não me venha com essa água quente numa caneca atraente com um saquinho pendurado no barbante. Não me venha com sete ervas emagrecedoras, nem com dias de frio, nem com minutos de calma. Eu não quero me acalmar. Eu não quero chá. E não me olhe com essa cara de desdém de quem não tem mais a quem odiar. Traga uma bebida mais cheirosa, um gosto mais encorpado, uma caloria mais vigorosa. Traga um capuccino, um café, uma cerveja, uma tequila ou uma pinga. Ou não traga nada. Venha sem bebidas, sem cardápio, sem roupa e sem vergonha. Venha. Mas com chá, não me convenha. Traga seus medos mais bobos e os deixe no tapete da porta da sala, junto com seus sapatos e o seu pudor. Entre com seus pecados mais sujos e decore minha castidade com a sua cruz esquálida de um verão passado no qual eu sei, eu sei o que você fez. E sem chá de canela, nem de camomila, nem de Daime, nem de amor. Porque se chatice fosse bom, não começava com chá. Não se começa nada com chá. Não se me começa com chá. Não se me come com chá. Deixe esse xôxo morno e sem gosto expressivo para as nossas avós. Ou deixe pra quem gosta, adora, ama e se derrama numa porção de chá de boldo, chá de limão com mel, chá de xaxim. Saque o sachê do bolso e vá para outra freguesia. E não adianta usar outras línguas, outras melodias, outros sabores. Não curto o sabor ralo de um chá verde, nem amarelo. Chá de bebê? Deus me livre - eu me nego! Meu negócio é café preto, forte, quente e quase sem açúcar. Daqueles que te deixam com a ponta da língua ardida o resto do dia. Que te fazem lembrar da quentura angustiante, do cheiro sedutor e, sobretudo da dor. Se despeça e leve esse chá-to pra lá. Meu bem, eu não gosto de chá.