(Sugestão: ler ouvindo o álbum “Ventura”,
LH)
Aconteceu comigo.
- São seis e quinze.
- Sério?
- Sério.
E aconteceu. O sol
espreguiçava-se por trás das nuvens. Talvez trocasse de roupa. Ia rasgando as
arestas recortadas de um céu sem azul. Eu também estava cinza. Ia passando um
café quando o filtro de papel rasgou no meio e entornou meu pó. Desisti. “Deixa
isso pra lá”. Deixei. Meu coração fazia caretas enquanto eu sorria. E iam
acontecendo umas mentirinhas entre esses lábios ressecados pelo excesso de
rancor. A amargura batia na boca do meu estômago e voltava. Parecia que eu
tinha comido aquela merda daquele pó puro. Eu tava fodida. Enquanto tirava a
calcinha, dei play naquela animada... qual é o nome mesmo? “I feel so close to you right now”. E coisa. E
tal. Também era mentira. Enrolei-me na toalha e meti logo de cara “A
Outra”. Los Hermanos. É, eu tava fodida. A chuva começou e finalmente entendi:
o sol tomava banho. Enquanto Camello dançava com outro par pra variar, eu
sambava a dois por mim embaixo do chuveiro morno, amor. Bateu aquele preto e
branco no meu olhar. Quase chorei.
- São sete horas.
- Já?
- Já.
Esfregava a bucha vegetal nos
braços, nas pernas, nos seios, na cara. Enquanto eu quase chorava, um coração
batucava fraco do lado de fora de mim, mas precisava disfarçar. Padecia de um
vazio bobo e raso, criado à toa por mim. Carecia respirar. Antes carecia perder
o ar. Prendi a respiração e nada chegava perto do que carecia. Emburreci, e
ainda eram sete e dez de um dia “Black & White”.
“Caralho, mas que merda!”. E
nenhum café forte pra salvar. Dei dois tapinhas na cara inchada de sono, sequei
os membros de qualquer maneira e me enfiei no look mais básico do meu amontoado
de roupas da semana. Enchi meus olhos de óculos de sol. Chovia. Ficou pra trás,
no corredor das minhas veias atordoadas, a melodia angustiada de um cara
estranho. E eu só queria um colo. Podia ir à puta que me pariu. Um cafuné. Seguido
de um café bem quente pra queimar a língua e fazer arregalar os olhos; deixar-me
ardendo o resto do dia pra esquecer das outras dores; perder o paladar; ter uma
desculpa pra não beijar.
É que a felicidade quando bate,
explode. Estilhaça a gente desde a pré-eliminar. E, depois do gozo, a gente
elimina. Se não prelimina, prevalece; permanece. E vai nos fazendo padecer de
outros orgasmos. Nos mesmos organismos. Naquela desorganização.
Depois do meio-dia, meus cabelos
ainda estavam molhados. Os lábios ainda secos. Os ossos, em farrapos. Eu mendigava
a alegria das pessoas, mas é foda sorrir de volta. Meu celular vibrou no bolso
uma mensagem desconhecida:
- Já são duas horas.
- Mesmo?
- Mesmo.
- Vem me amar?
- Hoje não.
- Mas tô com saudade.
Não ri. Deixei aquele verbo “amor”
apodrecer na minha caixa de entrada. Eu não queria ser feliz assim. Não queria
ser feliz. Porque se eu deixasse todo o peso daquele cinza sair das minhas
costas, corria o risco até de voar. Flutuar. Zanzar pelo céu sem destino. E pra
onde eu queria ir, não poderia. Nem todas as portas e braços e pernas se abriam
para o meu sorriso; meu amor; minha saudade. É que a felicidade, quando bate, é
atentado terrorista. E hoje eu não era mulher-bomba. Era sobrevivente de um
campo de concentração chamado orgulho.
Aconteceu comigo e eu quase
chorei. E enquanto eu quase chorava, desenhava com meus lábios um coração em
volta do seu umbigo gostoso. É que a tristeza quando bate, arrebenta. E eu tava
mesmo fodida. Arrebentada. Acidentada. Engessada. Deixando o verão pra mais
tarde porque assim tá bom, com o que sobrou.
E quando te perguntarem de onde
vem a calma daquela mulher, você vai correr a memória nas nossas conversas de
botas batidas de quando éramos um par e responder, zeloso do nosso sofrimento
bonito: “do lado de dentro”.
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