Era uma terça-feira. Final de
tarde. Naquelas conversas despretensiosas de um pôr-do-sol amargo, daqueles que
pontuam o fim de um dia muito produtivo de trabalho com um suspiro desabador. Foi
assim. Simples. Bobo. Quase imbecil. Te descrevendo minuciosamente para um
amigo de festas da faculdade, eu te encontrei. Te descobri. Arregalei os olhos.
Arregalei a boca. Arregalei o coração. Percebi, em meia dúzia de palavras, o
quão absurdamente grande e forte é o sentimento que bate nesse peito murcho por
você. Não que eu ainda não soubesse, viu? Vou te contar um segredo, mas naquele
dia chuvoso de algum mês de 2002, minha gagueira tomava conta de todo o meu
ser. Eu tremia. Soluçava. Chorava. Convulsionava. Abria a boca e as palavras
não soavam. É... isso mesmo, igualzinho àqueles pesadelos nos quais a gente
grita sem voz enquanto cai do precipício. Dez anos. Dez anos se passaram depois
do meu primeiro “eu”, meu primeiro “te”, meu primeiro “amo”. Eu te amo. Sussurrado,
amedrontado, esmagado entre os átrios direito e esquerdo. Porra, eu te amo! Gritei,
enfim, mas sem “porra”, porque naquela época não era acostumada a falar
palavrões. Mas, viu, nasci te amando, homem de Deus! Não escolhi. Não pedi. Cortaram
meu cordão e “puff”: te amei. Acontece, meu bem, que perdão não tem nada a ver
com amor. Nada, nadinha, viu? Passei por trancos e barrancos tentando te
encaixar nos padrões que o mundo me encaixou. EN-CAI-XAR. Eu queria te
enquadrar. Fazer de você mais um boneco engravatado e sem paixão. Quantos mares
de lágrima não desperdicei? Quantas contrações no peito? Quanta dor, meu amor,
quanta dor? Até perceber no fundo daquela caixa escura em que eu me escondia,
um fio de luz. Saí. Fui ao seu mar navegar. Naquele mesmo mar que lagrimei. Sorri.
Te vi. Sem âncoras, você também navegava. Pulei no seu barco. Te guiei; me
guiei. Te encontrei; me encontrei. E foi numa conversa boba de fim de tarde, te
descrevendo como meu porto seguro, confidente e melhor amigo que eu me dei
conta de ter me livrado da única âncora que me impedia à felicidade plena: o
não-perdão. Ô, amor da minha vida, eu te perdoei. Após dez anos de amor
declarado, regado a outros dezesseis de imperdão injustificado pelas amarras do
que os outros pensam de nós, perdoei. Era mais do que amor. Era perdão. Era sublime.
Era PERDÃO. E eu te perdoei sem dor, sem medo, sem culpa... do fundo do meu “tica-tica-bum”.
TICA-TICA-BOOM!
Era o final de uma tarde
produtiva quando eu te encontrei. Te amei. Te perdoei. Meu melhor amigo, meu
confidente, meu porto seguro e, com muito orgulho: meu pai.