Nem real, nem lúdico, muito menos erótico. O que mora nessa saliva não tem nome.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Cuidado, eu quebrei um copo!
Distraidamente, zanzava pela casa só de calcinha e sutiã, procurando alguma coisa doce pra sujar os dentes e fazer um agrado às papilas gustativas da ponta da língua. Observei que a vizinha do apartamento da frente procurava as estrias da minha bunda esquerda, enquanto disfarçava pendurando umas meias no varal de chão – coisa muito brega, aliás, na minha opinião. Só que enquanto ela procurava as sujeiras em mim, eu procurava na casa. Ia rebolando os calcanhares pelo chão, mas, para a minha surpresa, ele parecia limpo. Nada de esfregar os pés um no outro embaixo do chuveiro antes de calçar a sapatilha pra ir embora. Decepcionada, corri os dedos pela estante e me alegrei ao sentir algum pó descansando naquela velharia toda. Sem fotos pessoais ou de família, um ou outro livro amostra grátis do Estadão e um daqueles CDs triplos dos Beatles estrategicamente colocado pra chamar minha atenção. Eu realmente tinha um lado cult enrustido entre os meus tchetchereretchechês que ele conhece bem. Dei risada. Além de ignorante, era burro. E a caça ao tesouro foi perdendo o tesão. Não sei bem em que pedaço do tempo ele ficou perdido, esquecido, adormecido, ignorado. Faltou palavra, ou interesse, ou vontade, ou tudo isso que o mantém vivo, assim. Perdi o foco. Esqueci do pó. Me peguei desapegada, ou tentando, catando minhas roupas como quem cata feijão – cuidando ponta de pé pra não arranhar aquele silêncio vagabundo. Fui me aconchegando entre as peças e, antes de partir, pra não perder costume, goleei dois dedos d’água. Sem querer, apoiei 1/3 do copo pra fora do balcão. Caiu. Quebrou. Espatifou-se inteirinho. Bobagem me preocupar, era copo americano, daqueles baratinhos que o dono do bar da esquina compra pra não gastar. Varri os cacos. Mas, sabe como é... – copos quebrados, corpos amassados –, e sempre fica um vidrinho ou outro miudinho, que periga se enfiar bem no meio da planta do pé. A gente quase nunca vê, mas sente o incômodo agudo e desesperado de quem quer se livrar daquela quase-dor. Por isso varri, e varri tudo – me varri junto, e, cuidadosa que sou, deixei um bilhete em cima do balcão, logo à sua vista, assinado com um beijo de batom marrom: “Cuidado, eu quebrei um copo”.Dias depois, percebi: quebrei um copo, e nossos corpos varri.
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