O celular esgoelava: são seis horas,
são seis horas! E por algum motivo ainda desconhecido, não me recusei a sair da
cama. Vontade faltava, sim – muita. Pairava no quarto uma sensação de fracasso,
desestímulo, frustração que poderiam estar por vir. “Eu não preciso passar por
isso” – repetia insistentemente a mim mesma. Com o corpo todo resmungando a
falta das carícias do edredon na pele quentinha, arrastei-me até o café-com-pão-café-com-pão-café-com-pão.
E assim começava uma segunda-feira que tinha tudo pra dar errado. E uma voz
cansada implorava que o ponteiro saísse das seis da manhã e pulasse para as
seis da tarde. Mas, ali, sentada atrás da mesa do café, esfregando os olhos
inchados, foi a última vez em que olhei para o relógio naquele dia.
Não houve muito tempo para o mau
humor. Eu sei, detesto admitir, mas às vezes essa minha mania chata de
acreditar que o universo conspira em favor da energia dos nossos pensamentos
acaba funcionando de vez em quando. Na verdade, funciona sempre, mas eu prefiro
fazer de conta que não acredito toda vez.
O fato é que cinco séries colegiais
nos esperavam. Desprendidos, desinteressados, desalmados e sem amor. Monstros
com sete, oito cabeças e muitas línguas que falariam e falariam e riam e iam e
iam! E é bem assim: quando sabemos que a vitória é impossível, nem gastamos
nosso tempo nos armando. Foi isso, eu me desarmei. Abri os braços, dei um passo
a frente e, ao abrir os olhos, vi as feras fugindo pelos vãos das janelas. De
repente meus monstros sumiram, viraram poeira... pó. E eu, vagarosamente, fui
varrendo essa sujeira pra fora da sala – ficou lá no corredor. Fomos escutadas,
fomos ouvidas, fomos prestadas atenção. Fomos perdendo o medo e ganhando voz. E
ganhando ouvidos. E ganhando olhos. E ganhando os sentidos que nos faltavam
para enxergar além de pré-adolescentes famintos pelas nossas vísceras! Eles?
Eles só queriam atenção. Queriam ser também ouvidos e ter a chance de
participar. Eles queriam alguém maior para lhes questionar, mas que fosse do seu
tamanho para lhes compreender. Queriam – e querem – alguém que se lembre já ter
passado por isso e ainda sinta a dormência na bunda das carteiras duras. E que
ignore os padrões. E que ignore as regras. E que ignore os palavrões. E que
ignore a não-naturalidade dos tabus do mundo, mas que não os ignore.
Quando me dei conta – se é que já tenha me dado – estava despida. Regia um grupo de mentes pensantes e
“queredoras” de mudança e de ação. E, saindo dali, surpreendentemente
ovacionada por essas mãozinhas carentes de discussões que os levassem a pensar
na própria realidade, tropecei em dois ou três monstros que me esperavam no
corredor. Eles queriam entrar de novo em sua morada. Eles queriam fazer parte
do meu mundo. Eles queriam que eu não quisesse todo aquele desafio claramente
fadado ao fracasso! Mas, às vezes, o que é “claro” demais nos cega; por isso,
fechei a porta. E fechada em mim, desmontei – des-mo-ro-nei. Levantei a cabeça:
um reflexo irônico ecoou pelas paredes: “Sabe, não é nada pessoal, mas esse seu
preconceito é ridículo!”
E eu ri. Eu chorei. Explodi em sensações
incomensuráveis. Me inexpliquei. Parecia que eu tinha engolido um pisca-pisca
inteiro. Eu brilhava por dentro. Eu sorria, iluminava, espirrava sentido para
cada palavra emitida. Eu enxerguei, enfim, razões pelas quais buscava há tantos
anos. Eu acendia e apagava e acendia e apagava e: BOOM!
Eu, eu, eu, eu, eu – no meio de tanto lixo, tanta
loucura, tanta mentira, tanto escarro, tanta desvantagem, tanto desamor e
tantos monstros – eu descobri que precisava, sim, passar por isso. E que eu só
precisava de um pouco mais de arte pra olhar ao meu redor e fazer da minha voz,
o figurino; das minhas mãos, o texto; dos meus alunos, a plateia; do meu corpo,
a expressão; e da minha profissão, o meu palco.
Enquanto as paredes da minha sala fechada suavam
palavras eufóricas, meus olhos no espelho – sorridentes – articulavam vagarosamente
o que tanto temi ouvir:
“Bem-vinda
à licenciatura”
2 comentários:
Meu... eu acabei de ver mesmo um relato artistico de uma descoberta pela... Docência? Ao que todo professor sente quando enfrenta as sete mil léguas de aulas e aulas, repleta de "monstros": Alunos, pais, colegas e superiores... até quem não tinha nada com os pepinos (e que pepinos) acaba nós desmotivando na empreitada.Essa empreitada de ser amigo, pai/mãe, conselheiro, confidente e conselheiro... essa profissão. Só lembre bem dessa sensação, porque um dia você foi (e quem sabe continue sendo) professora.
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