Parada em frente à fruteira, a
mosca observava tudo sob seu oitavo olhar. As frutas eram de cera, meio
desbotadas, meio descascadas; quase pareciam verdade. As paredes começavam num
branco-neve e num branco-neve terminavam. Os objetos não criavam pernas, nem
dançavam, nem quebravam asas, nem sorriam: eram o que eram. O tapete ficava no
centro da sala: sem segredos, no meiozinho milimétrico daquele lugar quadrado e
branco. As cortinas, limpinhas, faziam companhia às janelas sem tela de
proteção, que contavam aos outros objetos da casa uma ou outra novidade que viam
passar correndo pela rua. Enquanto isso, a mosquoila passeava pelos cômodos à
procura de algo que diferisse aquele lugar de tantos outros já visitados. Mas
ela, que tanto já havia sentado na merda, entediava-se com tanta limpeza,
capricho e esmero. Tanto branco. Tanto cheiro de novo. Tanto silêncio. E era
sempre assim quando não era casa de criança. Casa de gente grande é toda cheia
de não me toques. Falta colorido. Falta peça de brinquedo no meio da sala pra
gente pisar em cima. Falta aquele vômito inesperado depois da overdose de bala.
Faltam dedos na parede, e nos espelhos, e na geladeira. Faltam os filhotes de
cachorro dependurados nas tetas da cadela que ainda tem útero. Falta gargalhada
por nada e choro por tudo; mas daquelas gargalhadas mais fúteis e daqueles
choros mais profundos. Falta joelho ralado, canela estourada e pé torcido.
Faltam três ou quatro pontinhos no supercílio ou então do lado direito da
testa.
Falta um dente.
Faltam dois.
E a mosca pensava assim, que se
falta uma criança, falta tanto! E ela, que só moscava, ficou chateada de não
encontrar nenhuma caca de nariz grudada embaixo da mesa, sequer uma camisetinha
suja de chocolate derretido, nenhum dedo embarreado furando bolo de aniversário
e nada de restos de comida caídos no chão depois de uma refeição turbulenta à
espera da hora de brincar! Foi embora, a mosca. E foi dizer às outras como é
chato uma casa sem criança. E que quando a gente grande tá muito limpinha, é
porque falta uma pra sujar de sorrisos a casa da gente.