quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Inesquecivelmente


Que dia é hoje?

E, meio atordoada da bebedeira da noite anterior, cruzo os olhos com o Gabriel. Ou Rafael. Ou Emanuel. Enfim, prefiro chamá-lo de “Éu”. Ele me olhava. E pouco me interessa descrever como o fazia, ele simplesmente me olhava: bêbada, borrada e pelada. Levantei a sobrancelha direita junto com o queixo como quem diz “Qual é?” e, enquanto me vestia, ele sussurrou um “você... ah, você é inesquecível”. Por dentro, eu ri. Ele, coitado... ele queria eternizar o momento. Fiquei séria. Sabe aqueles instantes em que a gente fica na dúvida, depois, se falou mesmo ou só pensou que tivesse falado? Eu duvidei. Inesquecível? Quem quer ser inesquecível? Qualquer um é inesquecível! Não me interessa ser inesquecível. Inesquecível! Inesquecível... Lembro-me da minha primeira transa como se fosse agora: uma bosta. Inesquecivelmente uma bosta. Bem como do primeiro cara por quem me apaixonei, e do primeiro beijo, e do primeiro fora. Inesquecíveis. O primeiro quilo a mais, a primeira serenata telefônica, o primeiro vidro de perfume estilhaçado no quarto da casa de aluguel. Eu me lembro do primeiro “proibida pra mim, no way” e do terceiro ou quarto “eu gosto de você, mas não me procura mais, ok?”. O último sonho erótico, o último acorde enroscado nos dedos, a última língua... e a penúltima também. Eu lembro todos os caminhos de todos os corpos e todas as sensações. Lembro de todas as pessoas. Inesquecivelmente, lembro. Ser inesquecível, querido “Éu”, não me convém. Ninguém, em sã consciência, se esforça pra ser isso. Ninguém o é por mérito. Ninguém o é por prazer. Simplesmente é. Sem querer, sem pedir, sem lutar. É eternizado e nem sabe por quem, nem porquê, nem por onde. Inesquecibilidade é interessante, mas, nem de longe o suficiente.

Quando o Éu resolveu levantar e me esbofetear, acreditei que ele tinha finalmente entendido. Deitei as pálpebras uma sobre as outras e quando as reabri, meio segundo depois, me vi sozinha na cama, com o travesseiro entre as pernas, vestindo um pijama de ursinhos amarelo. Estalei o pescoço, passeei os dedos pelo meu corpo e disse pro Éu: é, talvez eu seja realmente inesquecível...

2 comentários:

Cissa disse...

nossa, eu gostei muito dessa 'definição' do inesquecível. foi dessas coisas que a gente sempre soube que é desconfortável de ouvir, mas não sabia porquê.

Flores, laetitia disse...

Pois é, querida Cissa... pois é!