Ai! E a lombada entrou no carro de uma vez só. Ai? Isso lá é aviso que se dê? Caímos na risada. Fazia uma meia hora que procurávamos o tal lugar. “Acho que não é por aqui não”. Pois é, avisei que era a rua de cima; debochei. “É aqui, só que é aqui embaixo”. Nos olhamos. Aqui embaixo? Olhei pro asfalto e caí na risada de novo. Como assim aqui embaixo? Comecei a desconfiar. Essas coisas embaixo demais costumam não dar muito certo; o capeta que o diga! Rodamos mais uns minutinhos até encontrarmos a possilga. E não é que era embaixo mesmo? É, embaixo de um viaduto. Passamos por cima daqui, olha que divertido! E agora estamos aqui em frente. Da fresta da porta eu vejo uma jovem senhora rebolando até o chão – blusinha dobrada pra cima, mostrando as suas curvas delicadamente delineadas pelo colesterol. O som não estava tão ruim quando estacionamos, era aquela banda que-pensa-que-eu-sou-que-não-sou-o-que-pensou. Uma letra emocionante. Mas, assim que pusemos os pés lá dentro, a coisa melhorou. Um funk batidão mucho loco.
Eu, em plena forma... a cara feliz depois de 12 horas e alguns extras de trabalho, escoliose impecável, cabelo brilhante, uniforme e rasteirinha. Com toda essa pinta de mulherão e... “RG, mocinha”. Hein? Há quantos anos não me pedem RG? Tá doido? Vou fazer 20 anos! Mas estou tão louca de vontade de entrar debaixo de um viaduto, que se você pedir meus documentos de novo nem sei o que vou fazer. Acho que virar as costas e ir embora chorando. Fato, fato. Entrei. Meu senso de humor foi se refinando enquanto eu desfilava pelo ambiente, esperando que o pavimento e os carros caíssem sobre a minha cabeça a qualquer momento.
Vai beber o que? Uma coca-co... uma cerveja, vai! Hein? É, uma cerveja. (tempo – com direito a cara de pamonha do pai) Vo-cê-vai-be-ber-O-QUÊ? Há, pensam que me intimidei? É isso mesmo, uma cerveja. Pisei na merda, abrir os dedos ei. Certo, uma cerveja. A mesa grudava, as pessoas grudavam, os dentes tortos não se desgrudavam. Uma donzela beijava seu príncipe de olhos abertos para observar os movimentos delicados pelo espelho. Sim, paredes espelhadas. Sensação dobrada de tudo aquilo à minha volta. E o funk torando. De repente as lágrimas saltam dos meus olhos. Chorando? Sim, muito... Mas, (in)felizmente, não posso compartilhar as visões.
Fiquei intrigada com uma mulherzinha vestindo uma legging infeliz com um short jeans por cima. Ela carregava seis botões de rosas e ia oferecendo aos casais apaixonados. Apaixonadíssimos eu diria. Tão apaixonados que lhes faltava mandar a pobre vendedora pobre de flores tomar no cu. Olhava pra doninha com ar de quem diz ‘tô num baile funk de pau duro, mina... tá loca que vou comprar alguma coisa pra essa tilanga?’. Não sei de onde ela tirou essa ideia idiota de vender flores. Quem compra flores hoje em dia? Tudo bem, se ela tivesse escolhido um baile da terceira idade eu até entenderia. Se ela não estivesse usando aquela roupa horrorosa eu até perdoaria.
Sumiu. Acho que desistiu. Que nada! Foi beber uma cerveja e voltou a oferecer as rosas pras mesmas pessoas, mas não pros mesmos casais. Sim, há rodízios de casais por aqui. Me irritou quando insistiu três vezes pro senhor meu pai comprar uma rosa pra coisinha que nos levou àquele paraíso de lugar. Você acha que meu pai tá pegando isso? Hello, querida, nós temos nível. A vendedora de flores saiu das entranhas do viaduto levando um bouquet com seis rosas abertas. No outro dia, meu pai pegou a coisinha num forró meia-boca, mas um pouco mais pra cima do viaduto (tá bom, não era tão meia-boca a picanha de lá). Mas, flores... não sei porque até agora a doninha do baile não conseguiu vender.