domingo, 23 de dezembro de 2012

Merry Christmas


“No euphoria. No ecstasy. No drama” – ela disse enquanto fechava os olhos e respirava fundo, tão fundo como se aquele fosse o último passeio de oxigênio pelas suas hemácias. Ainda estava escuro, mas o sol ameaçava os primeiros tons de lilás, rasgando o horizonte a fora. Rasgadas, estávamos, a dentro. Felizes também. O ticabum do coração devia estar se misturando ao canto dos pássaros... talvez eles estivessem cantando; talvez eles estivessem. Não ouvimos. Era menos um Natal, era mais um Ano Novo. Em algum lugar, não muito distante dali, crianças dormiam frustradas pelas meias e cuecas e calcinhas e peças de roupas com as quais não se pode brincar. Os pisca-piscas trabalhavam incessantes. A barba postiça do Papai Noel descansava no pé de alguma cama de solteiro amassada. Nós só estávamos felizes. We don’t give a shit, you know? Era apenas mais um dia quente do fim de um dezembro brasileiro. Mais um dia que explodia dentro das veias daquela menina, esquentando seus poros, umedecendo seus olhos, secando seus lábios. No fundo do quadro da sua vida, naquele momento, pintava um círculo cor de laranja. Era Deus decorando nosso olhar, pescando estrelas perdidas, limpando a sujeira do céu, escarrando dentro de nós e cuspindo uma borboleta preta no seu joelho esquerdo. Abriu os olhos marejados. Sorriu. Mas um sorriso tão macio e vagaroso que nem fazia barulho. A boca seca. As mãos trêmulas. O suor escorrendo do pé da nuca até o cocs. No meio do caminho entre o meio dos seus seios e o rosto, os óculos caíram no chão. A convulsão veio meio avulsa, solitária, quase imperceptível, não fosse a espuma da boca e os olhos revirados. Alguém já estava acordado, batendo de casa em casa, pedindo boas festas adiantado. O dono da padaria separava os sacos de papel pardo. A sutileza daquele momento era tão impar e linda, que nem a borboleta se apressou a alçar voo.
Do you Merry...
Christmas?”
No, me.”
Ela disse enquanto fechava os olhos e respirava fundo, tão fundo como se aquele fosse o último passeio de oxigênio pelas suas hemácias. E era. A brisa e o orvalho encarregaram-se de enfeitar seu corpo. Fora encontrada linda, bronzeada e com uma borboleta preta pousada entre seus lábios azuis.