
- Viu só? Vê se eu mereço isso, Sofia! Não bastasse tudo o que eu
tenho pra fazer, ainda pajear essa menina!
Ignorando palavra, Sofia prosseguiu aquele início de relação,
suspendendo as maledicências da senhora:
- Oi!
- Oi! – respondeu a menina.
- Tudo bem?
- Tudo!
Sofia sorriu. Engraçado como criança não sabe de falsear as coisas.
Mais engraçado como isso a faz pensar em “por que cargas d’água ‘tudo bem, E VOCÊ’?” se a gente quase nunca está realmente interessado no
bem-estar da pessoa? Sem muitos rodeios, continuou:
- Qual seu nome?
- Victória.
- Seu cabelo é lindo demais, Victória. Todo loirinho, cheio de
cachinhos!
A menina nem tchum. Não sorriu nem agradeceu. Continuou ali, só de
calcinha e cabelos cacheados, abraçada no batente da porta da cozinha e mexendo
o pezinho direito pra lá e pra cá.
Enquanto isso, a velha falava. Falava, falava e falava. Da menina, dos
seus pais irresponsáveis, da vida – dos outros, claro.
Incomodada com a monossilabia da menina Victória, Sofia propôs mais
uma ou outra interação e só foi bem sucedida nas cócegas. Fugir de
“cosquinhas”, quem nunca? Gargalharam juntas. No meio das risadas, Sofia
escutou uma insistência majestosa por parte da velha em repetir a palavra Aids.
Sentindo que era ignorada, ela falava mais alto. E mais alto. E mais alto:
“Mas como pode? Saber que tem
essa doença horrível e fazer um filho! Como pode? Como pode?”
Até que Sofia se irritou, pegou suas coisas na mesa, deu um beijo na
testa da menina e disse:
- Sabe, você é a soro positivo mais linda que eu já vi!
Infelizmente, a velha não se calou, mas, pela
primeira vez e sem “cosquinhas”, Victória sorriu.