Foi um sopro quente na medula
óssea, subindo pela coluna e estalando cada vértebra torta da minha estrutura. Me
doeu. Me endireitou. Me arrepiou os pêlos da nuca. E apesar da ilusão morna que
se aconchegava no meu coração, como um gato afrouxando a almofada velha para tirar
um cochilo, um choramingo me sussurrava: “não é amor, não é amor”. A cada
arranhada daquele bichano, um gemido abafado de prazer ecoava dentro de mim. Eu
gostava da ardência daquelas unhas, amaciando meus sentimentos, amassando os
meus órgãos, vomitando bolas de pêlo na boca do meu estômago. Eu gostava,
simples assim – das dores, dos prazeres, das mordidas, dos espaços em branco
que ficavam entre um sorriso e outro. Mas você só queria tirar um cochilo
dentro de mim. Acompanhava de longe os meus movimentos com os olhos, analisando
em qual parte do meu corpo seria mais oportuno roncar, e qual dos meus seios
poderia levar pra casa como troféu: o direito ou o esquerdo? Sorrateiramente,
escalava os meus cabelos com a ponta dos dedos e procurava descobrir, tentando
não ser pego em flagrante, qual shamppoo barato eu resolvi usar pra ir te ver. Ou
qual perfume morava no meu pescoço. Ou quantas vezes eu me perdi dentro de
olhos tão brilhantes quanto os seus.
Mas não há, simplesmente não há
nada que dure para sempre dentro de mim: nem arrepios, nem orgasmos, nem
suspiros, nem angústias, nem saudades, nem almofadas amassadas. Então, como de
praxe, o sono passou. Você espreguiçou sem fazer barulho, vestiu uma bermuda
velha e foi subindo pela minha faringe. Escapou pelos ouvidos, pelos olhos,
pela boca e pelos poros. Um vento gelado golpeou minha caixa óssea, descendo
em espiral pelo meio do meu ser.
Quando dei por mim, lá estava eu: toda torta mais uma vez.
E uma voz me sussurrava como o alívio
de um domingo desobrigado da segunda-feira: “não era amor, não era amor”.