Talvez
eu tenha deixado qualquer coisa para trás. Refaço o caminho para tentar
lembrar, e cada passo em câmera lenta abre um caminho de epifanias eternas. Reconsidero
minhas lembranças. Respiro meus esquecimentos. O que será que eu deixei? Um
livro, um anel, dois olhos da cor que todos sabem, mas do tom que só eu consigo
enxergar. Giro 360 graus de cabeça. Abraço o travesseiro que vai ficar na cama
vazia. Durmo em meus braços e seios e quadris. Cochilo o mundo dentro do meu
coração impaciente. Digo-me duas ou três palavras de conforto, chego a suar as
mãos. Sôo meu olhar. Invado meu sorriso. Sou toda minha e, por conta disso,
ninguém pode saber o que eu deixei. Se foi uma meia suja, um violão quebrado ou
uma nota errada. Se foi ela, ele ou se foi tu. Se foram eles e elas e nós. Quem
pode saber, que não eu? Estalo os dedos, cruzo as pernas, jogo o cabelo pro
lado esquerdo mais uma vez. Tem pedaço de alguma coisa ficando e eu não sei o
que é. Talvez não seja nada, e talvez só uma gripe mal curada. Uma pneumonia. Uma
desalegria. Um quase-não-amor.
Sentada na beirada de uma cadeira com assento
rasgado, fecho os olhos para ver os seus e enxergar onde eu os perdi. Onde foi
que eu os deixei? Embaixo da cama? Em cima do guarda-roupa? Dentro da
geladeira? No meio do caderno de receitas? Não sei, não achei. Enfio seu olhar
no bolso da calça e a vontade de te ver de novo na nécessaire. Conforme tem de
ser, conformo. E pode ser, quem sabe, que qualquer coisa fique pra lá das
minhas costas. Pode ser que você fique. Pode ser que eu esteja. E que pra lá de
mim, algo tem de ficar pra trás. Afinal, quando a gente vai, algo sempre permanece –
ainda que só o porto.