Nasceu uma vez Eloara, que não sabia chorar. Sorrira aos pés de laranja, à sombra, ao sol, à mãe, ao leite e às tetas da empregada da casa. Sorria. Eloara chorar não sabia. Trouxera um defeito irreparável, que só os deuses do Olimpo poderiam julgá-lo defeito. Para nós era efeito. Era vida.
Dia desses, explodiu em sangue; tossia. Escreveu, até seu último dia, um verso do que sentia. Foi quase um ano de dias.
Um dia morreu Eloara, seca de águas salgadas, cheia de sangue nas veias. A empregada juntou-a entre as tetas, aos prantos. Sem saber o que fazer do pequeno corpo, jogou-o no mar.
Desta vez nasceu Eloara, que não sabia sorrir.
Nem real, nem lúdico, muito menos erótico. O que mora nessa saliva não tem nome.
domingo, 29 de maio de 2011
domingo, 8 de maio de 2011
Quando alguém que não sabe falar vai embora
Enquanto a mulher chorava, a menina assistia a tudo, sem pressa. A outra cadela farejava os quatro pés da mesa, fingindo desorientação, mas, no fundo, era a única que entendia tudo. Mulher e menina pareciam uma só. “Deve ter sido hemorragia interna” – palpitou a vizinha. A verdade é que a nossa buzunguinha estava ali, nada intacta, mordendo o lençol com os olhos abertos. Não respirava; não mais. Tudo não demorou mais que uma hora: o atropelamento, a dor, os gritos, a lenta morte rápida. Abanou o rabo pra mostrar que estava bem, enganou-nos: era um abano de despedida. “Fizemos de tudo” – gritava a consciência da mulher; “Será que cachorro vai pro céu?” – perguntava a cabecinha da menina. Ouvi dizer, certa vez, que existe um lugar separadinho lá pros nossos buzunguinhos e, quando chegamos no outro lado, somos recebidos por eles com muita festança! Queriam ir junto: despedir, abraçar, pisar no seu rabo pela última vez... mas não dava, tinham de trabalhar. Chamaram o vizinho que ensacou o corpinho peludo e sem vida. E a menina assistia a tudo. A mulher chorava. Pareciam uma só, mulher e menina. Observavam cada cantinho do quintal, procurando uma lembrança feliz. Refizeram o trajeto da paixão da cadelinha. Desaguaram uma tarde inteira de lágrimas por um animal que nem falar sabia. A outra cadela observava as duas e tentava, em vão, alegrá-las. Tudo o que queriam era dormir pra sonhar com a buzunguinha: sem dor, sem tristeza, sem lamento. Só um rabo peludo balançando. A menina ligou pro pai, que mora longe, e perguntou: “Pai, cachorro quando morre também vai pro céu?”. Ouvi dizer que eles caçam preás. Ouvi dizer, também, que eles chamam baleias.
Enquanto a menina chorava, a mulher assistia a tudo. Mulher e menina pareciam uma só: e eram.
Minha baleia foi embora, papai. E agora?
Quando alguém que não sabe falar vai embora, só nos resta abanar o rabo pra se despedir.
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