Seu Zé passava as horas de trabalho a passear os olhos pela juventude do condomínio Dom Quixote. Quando velho rabugento reclamava o som alto, achava era graça. “Viver faiz baruio, seu Ernesto”, pensava o danado. Cansou de ver briga de casal, bico de moça bonita e malandragem de adolescente safado.
Dandara já havia dispensado uns cinco rapazes naquela portaria. E o Zé ria. “Êta menina tinhosa”, pensava o danado. E de certo que tinha razão. Dandara, bonita e bicuda, fazia os moços de gato e sapato. Pintava o sete e pedia bis. Vez em quando sofria a primavera e chorava as pitangas com seu Zé. “Mas justo desse que eu gostava fui levar um pé?”. “Se acarma, Dandinha, num tinha di sê”. E lá ia a menina fazer sofrer três estações de garotos por conta de uma primavera infeliz. Seu Zé tentava sossegar a menina: “Num vê a Sufia? Vivia remungano feito ocê... agora taí di barriga e marido”. “Deus me livre, seu Zé. Sai pra lá”. “Intaum num recrama, Dandinha. Num tinha di sê!”
Até que um dia, da esquina se via, Dandinha e um tal de amigo de estudo. De óculos engraçado, cabelo engomado, cinto na calça e cadarço num laço impecável. Subiu meio brilho – cadernos em punho – sorriso de lado. De canto. De boca. Seu Zé, danado, ria sem um dente. “Lá vai essa diaba sofrer mais um trouxa”.
No primeiro dia foi ‘tchauzinho’ de longe; na segunda vez foi aperto de mão. Beijinho no rosto; abraço apertado; sorriso escancarado; beijo na mão. Seu Zé, desconfiado (e mais: desconjurado!), resolveu perguntar o que estava pra ser. Dandara, diaba, fez ar de mistério, mas seu Zé, danado, logo entendeu. Viu no brilho dos olhos da menina Dandinha amor puro e sincero, mais bonito que o seu. Mas foi dito e feito pra seu Zé, ordinário, pintar a carranca no bico de Danda. Soltou um gargalho e, quase Dom Quixote, pensou alto assim: “Depois de tanto sofrer primavera por moço charmoso e galante, foi logo você, minha Dandinha tinhosa, se apaixonar no verão pelo gago Tadeu?”