quarta-feira, 14 de março de 2012

Feche a porta, Sofia!

 Sofia era daquele tipo de gente que tem medo de dormir com a janela aberta. Pra não entrar mosquito, nem mosca, nem barata, nem espírito, nem ladrão, nem bicho-papão. Gozado era que ela não fechava as portas. E de nada servia a porta da porta, não fosse trazer as baratas do ralo do banheiro pro seu quarto.
                Dia desses, veja você, Sofia enroscou a blusa na janela, enquanto a fechava. Puxou e tudo foi-se desfiando. Emputecida que só ela, esbravejou: “mas que porra é essa?”. A janela ruiu: suas folhas viraram braços; seus braços, bocas e, então, enjanelou seu discurso:
                - Eu sirvo pra deixar a luz do dia entrar e pra trazer luar fresquinho, que nem que se fosse saído da boca de Deus. Eu permito que entrem borboletas e passarinhos e baratas voadoras. Eu deixo a vida massagear seu corpo e, enquanto dorme, faço o mundo te assistir de camarote. Por mim sai o velho e entra o novo, e nisso você nem pode mandar!
                Antes que Sofia terminasse de começar a entender, olhou pra porta, que, já a postos, abriu os olhos e maçanetou:
                - Nem precisa me perguntar. Apresento-me: porta. Eu sirvo pra deixar a pessoa entrar se você permitir e deixá-la partir, se ela quiser.
                No embaraçado silêncio dos seus livros e cordas e batons e chapéus, Sofia sentiu um buraco no meio do meio do peito. Abriu todas as janelas da casa e, pela porta, não deixou mais ninguém entrar. Destrancada ficava – pra que quem quisesse ainda pudesse sair. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Porque sorrir é "mais"

Talvez a gente não saiba porque nunca tenha experimentado, mas sorrir faz bem. Sem motivos, sem receios, sem retorno. E quanto mais sincero, maior é aquele suspiro que a alma faz de fora pra dentro, feito um sopro nas cordas vocais. Sorrir pros seus próprios olhos no espelho, pro seu próprio sorriso nos olhos de alguém, pro porteiro da faculdade, pra senhora da faixa de pedestres, pra criança da bicicleta, pro funcionário do cinema, pro chocolate da prateleira, pras flores do cemitério, pro cachorro do vizinho, e até por telefone – pra vendedora do telemarketing. Quando a boca se move, espontaneamente, querendo empurrar as bochechas pra perto dos olhos, ah... todo o corpo se move junto! E junto sorri. Assim, juntinho mesmo, se ilumina. E nos faz ser mais gentis e mais saudáveis e mais bonitos e mais felizes e mais mais. Mostra que ser mais é um privilégio; ser feliz, uma escolha; bonito, uma relevância; saudável, uma sorte; gentil, uma virtude; mas, ser um sorriso é um remédio que cura todos os males, feridas, caras feias, jilós fritos, laranjas azedas, buracos na telha, partidas sofridas e tênis sujo de cocô de gato. Então a gente aprende que a gente simplesmente não sabia porque nunca tinha experimentado o quanto sorrir faz bem. E daí a gente vira um sorriso. Porque sê-lo é mais que um remédio-ou privilégio-ou virtude-ou sorte-ou relevância-ou mais: é uma escolha que só mesmo a gente mesmo pode fazer.